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quarta-feira, junho 30, 2004

Por Quem Os Jingle-Bells Dobram? 

A menininha acorda atrasada e já cai sentada, assustada: não mais que de repente, sua vizinha, aquela bem velhinha, a Dona Wanda, rega as plantas na varanda. Mas o que é surpreendente, o que assustou a menina, minha gente, era que a velha de sessenta, antes sempre tão rabugenta, cantarolava versinhos enquanto molhava os vasinhos. Que bizarro, pensou ela enquanto acendia um cigarro.
Alguma coisa está muito errada, murmurou enquanto comia uma torrada. Mas saiu correndo, justo porque estava atrasada, arrancando o celular da tomada. “Que será?” pensava, mas não conseguia atinar com o que estava a incomodar. Não era o ar retrô da exposição do metrô, nem o fato de ter que tomar seu café esperando de pé. Com isso tudo estava acostumada, não era essa a coisinha irritante que estava errada.
Só sacou o fato notório quando chegou no escritório: o chefe contava uma piada mequetrefe; a estagiária, Natália, estava com a blusa da Itália; a Renata andava meio de lado como uma pata; Joana, bobona, escorregou numa casca de banana; Roberto, um cara nada esperto, estava com o zíper aberto; o Rafael não parava de comer papel; a Julieta e o Denis... bem, estavam ambos com problemas urinários.
Que enorme absurdo, aquilo tudo! Uma grande comoção, uma tremenda confusão! De quem era a culpa, pra quem mandar a multa? Quem estava do outro lado, quem seria enfim o culpado? Era tanta riminha porcaria que ninguém agüentaria! Como não se via solução, pra variar, foi-se ver televisão. E lá estava exposta, tão ridícula quanto as rimas, a misteriosa resposta. O mundial tinha o menor preço total. O Raul perguntou, você não acertou, pegue seu banquinho e saia de mansinho. Os Titãs “cantavam” : “Quando não houver saída / Quando não houver mais solução / Ainda há de haver SAÍDA (...)”. Musa do verão, calor no coração, 40 graus de paixão. Vô dexá a vida mi levá. XXX- 1000, dizia o musical da Amil. Ei, Gugu, vão você o pintinho amarelinho %*&@#$%. SBT, não sei quantos milhões de anos com vc.
Pronto, mistério resolvido: era tanta porcaria invadindo nosso ouvido, com versinhos tão batidos, que não deu nem pra Prometeu. Ninguém segura essa barra, nem onze jogadores com garra (ai meninas, nem aqueles, os dinamarqueses). Chega de versinho, meu amorzinho! Ei, galera da propaganda, veja só o que anda tocando essa banda! Sinto-me burra de ver esse tipo de anúncio que você me empurra. Chega, que coisa mais irritante! Queremos boas propagandas doravante. Chega de mulher deslumbrante beijando mané em propaganda de desodorante. Só com a cabeça batida se assiste a anúncio de bebida! Chega de bichinho de computador: convença-me com qualidade, meu senhor! Por favor, ô minha tia, me livra do pentelho das Casas Bahia. Zeca Pagodinho, carrega o teu cavaco: tua cara já encheu o saco. A “ídola” das apresentadoras parece que bebe: já viram alguém mais disléxico que a Hebe? Ainda por cima me arranjam uma amostra grátis meio pastel pra Ana Paula da Embratel. Quando se achava que nada pior ia entrar em cena, me colocam numa propaganda de seguro uma porcaria duma hiena. Vai tomar banho se isso tudo não é muito estranho. Tanto esforço pra tentar aumentar meu QI e vcs aí sabotando, fazendo o coitado cair! Vão se catar, todos vocês! Vou morar com a Bjork na Islândia e passar o dia jogando xadrez. (desculpem as rimas desse texto, mas por favor entendam o contexto. Não é de emputecer que deixem isso acontecer?)

sábado, junho 26, 2004

Odeio Muito Tudo Isso (1) 

Filmes espalhafatosos, de humor dã-rã, daqueles que você vai ao cinema e só tem pessoas com calça jeans centro-peito, cinto preto e camisa button-down listrada, em todas as maravilhosas variações de azul e branco que a mente humana pode conceber. Elas riem alto e em pequenas prestações, mas toda hora e por muito tempo, até engasgar com a pipoca, que elas comem enfiando todo o conteúdo da mão na boca. Um exemplo típico (dizem por aí que há exceções) são os filmes do Jim Carrey. Alguém pisa no pé dele, ele faz um cara assim como se fosse uma dor de parto, insuportável, e grita feito um porco sendo degolado. Você, pessoa sensata, se lembra de todas as vezes que seu ex-namorado impiedosamente pisou no seu pé com aquele sapato 42 enquanto você piedosamente tentava ajudá-lo na aula de dança. Ou naquela vez em que sua chefe aterrissou aquela sandália anabela no seu mindinho. Você manteve a compostura e elegantemente ignorou a dor, certo? Mas não, o palerma está morreeeendo de dores... e o sujeito do seu lado:Rã!Rã...rã,rã,rã...rã,rã! Aaaai... Rã,rã,rã,rã ...

Um Grande "Puf!" Para O Mundo. Everybody, now! 

Puf.
Tenho aqui em mãos um exemplar do "Manual da Boa Moça". Se ainda fosse um manual da moça boa, com uma tabela de preços de lipo-escultura, seria menos mal. (Alguém mais imagina aquela cena do "Clube da Luta", quando eles estão pulando a cerca e o saco plástico arrebenta, toda vez que lê "lipo-escultura"?).
Portanto, segundo esse Manual (aliás, "manual" também deve ser proibido) "películas" está dentre os tópicos "Proibido!". Portanto, estou achando que deveria apagar o chocante post passado e jogar fora meu sutiã de torpedo. Afinal de contas, se está no manual é porque não se tem escolha!
Ih, não, gente, my mistake... Era livro de receitas de leite condensado... Foi mal. O post fica( a não ser que alguém entre com um agravo).
Daqui pra frente, tudo será diferente, como já dizia algum cantorzinho desses aí. Era o Guilherme Arantes? Vou Googlar.

sexta-feira, junho 25, 2004

I Still Haven´t Found What I´m Looking Fooooor... 

Porque ninguém é bom o suficiente para o meu hímen. (momento de sinceridade total, uma coisa quase consultório ginecológico ou salão)

quinta-feira, junho 24, 2004

Kafka & Café 

Pois chego eu hoje na Norsul, empresa onde eu dou aula, e noto dois bafafás simultâneos no sempre desértico corredor: um perto do banheiro feminino, de onde vinham vários gritinhos histéricos e um choro compulsivo, e o outro meio-fora-meio-dentro da saleta de aula. Fiquei ali parada, olhando aquela cena digna de Alighieri. O bolinho da saleta era composto exclusivamente de homens e o outro, só de mulheres em histeria coletiva. “De repente é um daqueles rituais estranhos interna corporis, tipo se agarrar em baixo de galhinhos, esse tipo de coisa. Podia ser mesmo que estivessem ensaiando uma quadrilha, naquele momento: os homens gritam “olha o contracheque!” e as mulheres saem correndo, gritando. Mas não. O sorridentemente sádico grupo testosterônico logo veio fofocar, como sempre fazem os homens: uma das secretárias estava muito bem tomando seu café, quando sentiu um fio de cabelo no café. Tomada pela repulsa, começa a criatura a dar um chilique. Só depois do chilique começado é que ela nota, para seu alívio, que não era um cabelo, não. Era uma pata de barata. É, aquela com esporinhas atrás. Diliça. Nisso, claro, a mulher sai berrando pelo corredor. Olho para o meu café, já prontinho como Nescau, esperando na máquina. Ew. Nunca tive tanta vontade de vomitar.
Logo, alguém veio com uma daquelas “explicações”, que, como já disse antes, nunca explicam absolutamente nada: é que detetizaram a firma na sexta-feira. Lógico, agora sim! O único lugar que não detetizaram foi a máquina de café, por motivos óbvios. Que alívio! Porra, lá se vai mais uma ilusão urbana que eu tinha: o mito da imaculação das máquinas de café. Lá se vai meu capuccino. Se eu dormir aplicando prova vou processar alguém.

domingo, junho 20, 2004

Pur quêêêê?!? 

Gente, Pur? Pur quê? Pur Quêêê?!?!?! Estou eu sentada no sofá, quando percebo uma revista Caras no braço do sofá. A verdade universal, definitivamente, é a Súmula nº 1: Sempre, seeeempre pode piorar. Sem-pre. Num rápido flash-back freudiano, vc lembra daquela época da sua tenra infância quando sua mãe era sua ídola, quando era seu modelo de modernidade e de ser cool. Claro que, um dia, vc vai ter acesso a mais de dois modelos femininos, quais sejam, sua mãe e sua avó. Aí, meu povo, é aquele trauma. Quase tão grande quanto no dia em que eu descobri que a vovó Mafalda era um vovô. Enfim, aos vinte anos, sua mãe já passou de primeiro lugar para penúltimo, porque não adianta, avó é sempre pior. Sua mãe, não: ela assiste Linha Direta e Hebe. Pior: ela FALA com a Hebe e geralmente concorda com ela. Elogia a Sandy todo domingo, enquanto assiste o Domingão. Acha que a melhor música dos Beatles é Love Me Do e dos Hermanos é Anna Júlia. Agora, pra completar ela compra a Caras. Espera, que piora: ela compra a Caras para “ganhar” livretinhos e cds esotéricos. Uma alopata mística. Pensando bem, nem minha avó barra.
Anyway, Pur? Pur quê? Por que a gente olha os cadáveres despedaçados no asfalto quando passa por um acidente? Não sei. Mas eu fiz a mesma coisa de sempre: eu abri a Caras. Tem alguma coisa no mundo pior que aquela página do começo, quando eles colocam alguma fotinho de bichinho e um poeminha mongol em baixo? É um crime. Eles escolhem o versinho mais fraquinho do Fernando Pessoa, colocam fora do contexto e tentam fazer alguma ligação com a fotinho do bichinho. É deprimente. Aliás, meu irmão ta vendo o Top- Top 20 mtv, lá na sala; estou aqui ouvindo Charlie Brown Jr. Sambári seeeeeeivi miiiiii...
Renato Aragão, sobre sua filha: “Livinha é o formol da minha vida”. Perry Salles, o muso da Loteria Esportiva, abraçado com a Vera Fischer. Uma página inteira de foto do beijo da Heloísa Helena e do Suplicy. Júlia Roberts grávida caminhando pela praia, e a legenda dizendo: Júlia Roberts passeia de mãos dadas com seu marido, o Fulano De Tal (17). Mas ela não está de mãos dadas! A mão do Fulano De Tal está só na frente da mão dela! Imagino o estagiário, coitado, dizendo: “mas chefe, eles NÃO estão de mãos dadas!” e o chefe responde: E daí? As pessoas só lêem o qudradinho-resuminho do meio do texto e as partes em negrito! (ou seja, o nome da pessoa seguida de sua idade estimada por documentos históricos e testemunhas). Pra que que eu quero saber quanto anos tem a filha do dono do hotel Tal, da Ilha X, no arquipélago paradisíaco Whatever? E aquelas thumbnails de gente quase-importante, quer dizer, aquele povo que tem que aparecer mas ninguém quer ver mesmo? É que nem chamar as tias-avós pro seu aniversário. Vc nem sabe quem é quem, mas tem que chamar. A Cláudia Raia é a noiva de uma festa junina para carentes. Aliás, achei genial essa. Todo mundo tem o maior fetiche de se fantasiar de Jeca Tatu, mas o super-ego (nos dois sentidos, o literal e o freudinano) não deixa. Aí, tem a desculpa tradicional pra todas as merdas que gente famosa quer fazer e tem vergonha: caridade. É que nem aquela sua amiga cara-de-pau, aquela que todo mundo tem, que fica com uns carinhas “Ahn?” e diz que foi por pena deles. Outra coisa que devia ser proibido: propaganda de comida com fotos de pessoas sujas de molho, como se toda vez que alguma comida fosse muito gostosa vc se lambuzasse de molho. Gente, isso é coisa de gente com muita fome, uma coisa marmitão, não uma coisa “nossa, que delícia!”. Que merda! Só não é pior que a Xuxa fazendo propaganda de creme hidratante e se melecando toda, nojentamente. E as citações? Novamente, aquele dom como o da sua mãe de tirar fotos suas bem naquele momento em que vc está fazendo a cara mais imbecil do mundo, eles escolhem as coisas mais bizarras. Luiz de Camões: “onde há inveja não há amizade”. (Ahn?). Aliás, homenagem à sabedoria do biscoito chinês da Mariana (“é sempre bom manter as mãos mais ocupadas que a língua”) : “Bom médico: olho atento, ouvido agudo, nariz perdigueiro e tato arrombador” – Pedro Nava, médico e escritor mineiro. Notícia bombástica do Dr. Everardo Saad: “não existe epidemia de câncer”. A minha sessão favorita da revista é a página de Etimologia: hoje aprendi as origens do radical “upir”, formador de vampiro. Não falei, olha essa: o Príncipe Charles organizou um evento beneficente (!) para comemorar as 2000 apresentações do musical Mamma Mia, baseado nos hits do Abba. “Sabemos todas as músicas de cor”, disse o herdeiro do trono inglês e seu marido, Camila Parker Bowles (156). Xuxa: “na tv uso roupas coloridas. Em casa, prefiro roupas confortáveis” (???). Nosso Presidente vestido de caipira (buáááá....), mas pelo menos não deu a desculpa da caridade e obrigou todo mundo a pagar mico junto com ele. Se bem que eu acho que nem precisou obrigar não. Fora o pessoal grunge, que usa camisa de flanela o ano todo, o resto da população brasileira parece se amarrar em faze-lo nessa época de mei-di-ano. O Pelé chorando de nostalgia ao segurar a Tocha, e Xuxa se amarrando. (Porra, quantas vezes a Xuxa sai em cada revista?). Lá pro finzinho da revista, o Herchcovitch sentado num cantinho duma foto, numa atitude meio tomar-banho-gelado-no-inverno: tem que fazer, então vamos logo com isso! (não sei bem pq, mas amo esse cara...). Aaaargh! O Bill Gates de roupa de praia! Tipo, de camisa de neoprene, bermuda e sandália! E BONÉ! E ÓCULOS! Daniel de Oliveira (13), “incorporado”, sobre o fim de seu relacionamento: “O tempo não pára”. A Marília Gabriela lançando sua grife de óculos (até aí...), junto com a Ana Hickman. Alguém consegue pensar em alguém melhor pra representar uma grife de óculos que a Ana Hickman? Eu, não. Agora, o grand finale: lá no finzinho da revista, uma propaganda (de utilidade pública, eu diria) da Folha de São Paulo: “Participe de menos unanimidades”, seguida de receitas com açúcar cristal. Como falávamos eu e Renatinha ainda ontem: quando não se sabe o que dizer, se fala sobre o que não dizer. Amén.
Top-top mtv + Caras = imediato sentimento de bem estar. Seu ego se insufla como nunca. Recomendo aos que andam tendo o que eu tenho.


Bunker is back! Woo-hoo!  

A Bunker não morreu! Aquele octograma do piso é o meu Templo. Sexta feira, Eduardo Mulder e o Dennis: pronto, the dream is back! Viva o meu Dennis, a única pessoa que eu já conheci que consegue ser inteligentemente ácida na medida certa, irônica de rasgar barriga, que consegue me deixar completamente suada em dez minutos mas não me deixa parar até as quatro da manhã, hehehe... Se deus existisse, hein, Dennis? Mas nah... Um beijo em cada um dos seus olhos azuis, que eu sei andarem de olho num certo beijo. Ai, o amor é lindo.

P.s.:Gustavo definindo nosso estilo: “Rock menina”. Eu e Marcelo achamos per-fei-to.

Tinitus 

Cá estou eu, com aquele barulho horrível de silencio nos ouvidos, aquele treco que dizem chamar “Tinitus”, o que é um saco. Parece que tem um diapasão no meu ouvido esquerdo, “Lááááááá!” tentando afinar alguma coisa lá dentro que nunca afina. Afinal, Lá aonde?
E aquela sensação de frustração perene, como aquela pessoa que comete a besteira de ver o filme antes de ler o livro, e enquanto vai lendo, vai chegando ao final, percebe intuitivamente todos os sustos e suspenses que perdeu. (Agora parou o tinitus um pouquinho... Será que foi alguma coisa que eu disse?).
Como quando se idolatra a placa uma vida toda pra descobrir que no fim, o importante era o caminho. Bas, não bas?
(E o tinitus volta, agora meio vibrante, meio partidinho, parecendo um risinho).

quinta-feira, junho 17, 2004

Um Defeito Em Cada Um Dos Teus Dentes 

Apóia esse fuzil no meu peito
Criatura que trota e que late
Querendo me assustar, não sabes
Que quando tudo ficar escarlate
Eu mesmo aperto o teu gatilho
E te mostro o terror de verdade.

Vem com essas falas decoradas,
Vem com os mesmos logros de sempre,
Derrama tuas meias-verdades,
Oferece-me tua venda pintada de céu,
Que eu te ensino a mentir,
Que eu te ensino a vender carro usado,
Que te mostro como jurar inocência,
Como manipular a verdade dos jurados.

Ameaça-me com o inferno,
Ameaça-me com outras vidas severinas,
Vem, ai, mal posso esperar
Pra te fazer olhar teu próprio carbono,
Pra te esfregar as cicatrizes das vacinas!

Grita tuas frases de efeito,
Berra tuas idéias contundentes!
Tudo soa passarinhalmente,
Escuto a tudo, recolhendo tuas balas,
Depois, bem calmamente, te mostro
Um defeito em cada um dos teus dentes.

Jogado ao chão, humilha-te,
E puxa-me as barras das vestes,
Alerta-me dos perigos de não ser prudente,
Que ainda de pé, te levanto pelos cabelos,
E te provo por A mais B que é inútil,
Que a guilhotina há tempos é inerte.

Beberei leite com manga e sussurrarei
Que não há um Grande Irmão,
Que Elvis morreu,
Que o azul do Céu é gasoso,
Que não há monstros no lago,
A não ser quando há barcos.

Vomita tuas provas o quanto quiseres
No fundo, sacodes tua cabeça por saberes
Que o resultado já era sabido antes da largada,
Que tuas provas foram forjadas
Antes das fornalhas serem inventadas.

Aponta pra mim esse dedo,
Cospe na minha direção,
Grite-me as piores injúrias,
Que eu vou rir de ti,
Mostrar-te refletido em mim,
E verás, estarrecido,
Que te apontas teu próprio dedo.

Tapa minha boca com tua mão,
Que te mordo as carnes
Para que vejas esse teu sangue
Em cada uma das minhas palavras.

E quando já não mais houver ídolos
Quando não mais houver refúgios,
Quando não houver mais ovelhas,
Quando nem mesmo me odiares,
Morrerei feliz, e cheque-mate!

Suprema final vingança,
Tu olharás por cima dos ombros,
Esperarás um momento a sós,
E deixará cair uma lágrima
Sobre o amor que havia entre nós.

How about them transparent dangling carrots? 

Voz que retumba nos ouvidos, que me cala os pensamentos. Invertido o fluxo, cala-se o transmissor. Vista turva, só o centro tem foco. Miopia- o centro está longe. Dois estágios de cegueira. Cheiro de frio, sublimando nos bronquíolos flamejantes: duas temperaturas extremas, sem média. Mão que tremendo mal seguram a caneta. Serei eu a tinta? Quem me estará escrevendo? Acabo de me desligar e percebi, enfim, que não estava ligada. Ondas flutuantes, forças de fraqueza, muitas vezes quase nada. Doçura que me amarga. Uma corda, uma cenoura, uma mula. Se a cenoura não tem culpa, quem segura a varinha? Ai, se ninguém segura a varinha carrega a mula, sozinha, a raiva toda e mais a culpa...

Dos melhores momentos (ou dos menos piores) 

1)Entrevistas “Talk Sex” no ônibus. Cada pérola, dava pra fazer um cordão de duas voltas.
2) A mulher do ônibus de turismo dizendo que os quatis são “criaturas de aparência doce, mas que na verdade são animais selvagens e perigosos” em várias línguas, com aquela pronúncia primorosa de VJ da MTV.
3)Capuccino. Caraca, devia ter comprado uns dois galões. Muuuuito bom.
4)A Ciça pedindo a garrafa de cachaça “emprestada”. Aliás, o apelido ficou: “Cecília Cachaça”.
5)O jogo da cobrinha. Gente, como eu amo o jogo da cobrinha. Viva o jogo da cobrinha, ÊÊÊÊ! (para os entendidos na questão jogatícia, é o snake II)
6) Os meninos dançando Tchurururu, do Latino. Quase fiz xixi de tanto rir.
7) Achar um doido que levou um violão! Que feliz que eu fiquei!
8) Natália me ligando de surpresa pra dizer que comprou meu ingresso pro showcase dos Hermanos.
9)Cantar “this charming man” todinha com o Vítor, bêbado, na arquibancada. Todo mundo olhando, foi lindo.
10) Já falei do capuccino? Caraca, que capuccino era aquele...

Dos mas peores momentos de Cascavel 

1)Esperar 11 horas pelo ônibus. ONZE HORAS. Conheci o pessoal da viagem ANTES da viagem.
2)Pessoas do Paraná. Ê povinho. Todo mundo mal humorado, formalista, militar. Desconfiados, chatos, desanimados, católicos demais. E o sotaque quase paulista. Eca.
3)Passar as vinte horas da viagem do lado do banheiro. Descobrir que amônia é a única substância do mundo que não gera resistência nem dispersa, apesar de volátil. Uó.
4)Sua mãe te ligando todo dia pra perguntar se está frio. É de arrancar os cabelos do sovaco a dentadas.
5)Perdigotos alcoólicos. Lugares lotados. Pessoas feias, gordas e suadas te pegando pelas mãos. Banda que toca Skank.
6)Andar pra cacete e não descobrir onde era a porcaria do estádio. Uma coisa Johnny Walker. Black label.
7) Ficar menstruada naquele frio. Se alguém pegasse meu útero e enfiasse num picotador de papel enferrujado doía menos.
8) Ouvir coisas do tipo “Cara, olha o meu vômito! Está saindo fumacinha!”
9) A Cecília reclamando que não tinha pára-raios no ônibus.
10) Não ter ido ao Paraguai comprar lâmpada de lava por 30 reais.


terça-feira, junho 08, 2004

Lembranças Tristes Sempre Inspiram Histórias Lírico-Satíricas 

Você adentra uma sala “reconfortante”. A senhora com cara de Barbie pede para você ficar à vontade. Quando você suspira aliviada e corre para a porta, ela aperta um botão na mesa e desaba do teto uma grade. Dead End. Não há melhor expressão na minha linda língua.
Ela volta ao diâmetro normal de sorriso e pergunta por que vc não senta no puff. Vc pergunta pq ela não senta. Ela pensa um pouco, pesando cuidadosamente a duplicidade de sentido do comentário, sorri como que pensando ser um gênio, e anota na prancheta. Olha de soslaio prum retrato do Freud, e agora sim vc está querendo dizer o que ela teve certeza que vc quis. Dois minutos de silêncio, vc tenta lembrar-se o nome daquele sarcófago de ferro que usavam na Santa Inquisição. A mulher perde a paciência com sua paciente e procura o cigarro com os olhos. Quando ela nota que vc também o achou, ela reverte “espertamente” a situação: “Vc fuma?”. Vc retruca que acha fumar uma burrice quando se conhece algo sobre o sistema circulatório. Ela não entende a ironia e diz que fumar faz muito mal à saúde. Quando ela promete te dar um pirulito se vc for boazinha e sentar no puff da titia, vc descobre que isso pode ser engraçado. Ela te mostra uma mancha de tinta e pergunta o que te vem à cabeça.
_Omo dupla ação com sistema bleach.
_Hum...certo. Vou aplicar um teste agora. Responda com atenção...
_Vc quer dizer pra eu prestar mais atenção na resposta do que na pergunta?
_Não, que-ri-da... É pra prestar atenção na pergunta...
_Então é “escute com atenção”.
_Isso, que-ri-da, como quiser.
_Então não devo responder, só escutar?
_Não se faça de engraçadinha comigo, que-ri-da (rabisca com raiva na prancheta), vc sabe do que estou falando. Agora, vamos começar: o que significa “chat”?
_Significa “gato”.
_Hum... vc sabe o que é hímen?
_É um tipo de selo de garantia caído em desuso, mas que ainda é exigido em alguns países.
_E o que significa ejaculação precoce?
_É algo como a Sofia Copola morrer no meio do último Poderoso Chefão.
_E polução noturna?
_Chaminés soltando poluentes enquanto a fábrica está fechada.
_Qual foi a última música que vc ouviu?
_It´s raining man.
_E o que ela te lembra?
_Acho que hospitais superlotados, fraturas expostas, sangue nas calçadas... (ela arregala os olhos ligeiramente e escreve freneticamente na prancheta).
_Qual o seu maior defeito?
_Enxergar quando ponho os óculos. (Sorri e rabisca bastante, olhando pros meus óculos).
_ E sua melhor qualidade?
_Correr bem rápido.
_Vc tem muitos amigos?
_Quer dizer, pessoas?
_Sim, claro.
_Fotografias de pessoas contam?
_Não, que-ri-da. Amigos de verdade.
_Mas eles têm que falar com vc?
_Sim.
_Bem, então... uns dez.
_Muito bom! Estou surpresa! E como é seu relacionamento?
_Eles me cansam às vezes.
_É? Por quê?
_Falam todos ao mesmo tempo, me mandam fazer coisas que eu não quero, não me deixam sozinha um minuto!
_Hum... Como é sua família?
_Igualzinha à das novelas.
_Bom, bom! A maioria das pessoas fala mal de suas famílias!
_Pois então!
_Quer acrescentar algo,querida?
_Bem, eu acho que exames psicológicos deviam ser tão obrigatórios quanto provas de Literatura ou a Hora do Brasil.
_Eu sei, eu sei... vc se sente bem melhor agora, não querida?
_Puxa, é muito melhor do que assistir TV!
_Que bom que vc gostou. Não quer voltar semana que vem?
_A sra. vai estar aqui?
_Hehehe... Claro, querida...
_Não pode ser amanhã mesmo?
_Infelizmente, meu horário não permite...
_Puxa que pena...
_Não se preocupe, querida, seus problemas têm solução!
_Eu sei, mas eu não tenho contatos no mercado negro da ex-URSS...
_O que vc disse, querida?
_ Eu disse que preciso ir à enfermaria porque sou daltônica.
_Oh, claro, claro, querida! Pode ir!
E vc sai do calabouço, mas não sente nem um pingo de alívio: sabe que vai ter que voltar para a sala da sétima série.






Episódios Insólitos (capítulo de hoje: Segunda, dia 22/03/04)  

“ I give in to sin / Because you have to make this life livable” – Strange Love, Depeche Mode

Lá estava ele, parado na saleta. Primeiro, achei que eu estava viajando, e pensei “Estou até vendo o cara...”.
O único cara, dentre todos os que eu conheço, que me faz perder o fôlego. Quando mudaram meu horário, fiquei até feliz de não ter mais que esbarrar com ele. Pois lá estava ele, na saleta. Decidi que eu tinha é que derrubar mais esse pedestal, e como já dizia Budha, Gandhi e o próprio JC, só a verdade salva. Descobri um traço de grosseria aqui e ali. Já é um começo. Bah, que mentira deslavada, pareço uma católica, inventando mentiras pra me sentir melhor... Eu ainda passo mal só de olhar pra ele. Quando ele ri minhas costelas ficam apertadas demais. Já cansei de vê-lo onde ele não estava. Diabo de perfume dolorido.
Quando eu saí, encontrei exatamente seu oposto: um daqueles filhinhos de papai, repetiu de ano não sei quantas vezes, ainda está fazendo cursinho. Calma, que piora: ele é produtor do BBB. Peraí, que eu acho q vou vomitar... Ah, passou. Enfim, à primeira vista, eu descarto mais de cinco minutos de conversa. À segunda, também. Mas fazer o q, eu estava carente e ele parece o James Hatfield. Eu tenho uma quedinha pelo James Hatfield.
Pela primeira vez na vida, me peguei pensando “masculinamente”: eu dava presse cara. Sem relacionamento, meninas, quero dizer sem qualquer maior envolvimento. Não-ligo-se-ele-não-ligar-amanhã. Estão chocadas? Eu também.
Eu e meu livro do Bandeira, ele e sua bermuda florida amarela. Quer quadro mais insólito? Pois piora: na hora da despedida, ele ficou hesitando, esticando o assunto, olhando pros sapatos. Começou a fazer a Coreografia-do-pavão (as meninas sabem do que eu estou falando). E eu pensando: putz grila. Sódio e água.
Acho que mais uma barreira está para cair... Minha iconoclastia está toda empolgadinha na ponta do meu pé, doidinha com a perspectiva de chutar um altar, um cadeado e uma bunda com um pontapé só. A partir de hoje, vou batizar minha misantropia de Donovan (Donna, para os íntimos) e minha iconoclastia de René.


sexta-feira, junho 04, 2004

Da Morte Da Tola Graúna 



Num dia especialmente tolo, a graúna tola escuta as palavras do Uirapurú:

"Um dia, todos os pássaros voarão tão alto quanto as águias e os
urubus."



E a tola graúna acredita, especialmente porque quer acreditar,

Em meio às águias mais liberais vai ela então feliz se aninhar.

Discursam elas, veementes ao esbravejar:

Que adianta o predador a mão de sua presa apertar?

Tem ele garras afiadas: não são próprias para cumprimentar.

E quem tem garras, jamais em livrar-se delas consentirá!

Pois diante de tal desafio, põe-se a graúna a trabalhar,

Perde suas horas de sono e perde o próprio sono a pensar

Perde o sono a tola graúna, de tanto que se deixa sonhar.

As rolinhas, as araras, até mesmo alguns carcarás,

Todos reúnem-se, excitados, decerto nenhum faltará!

Não faltam almas aflitas para ouvir quem possa consolar.

E a tola graúna, tão tolinha!, continua a recitar

As palavras inocentes de quem se deixa levar.



Após o rebuliço, reúnem-se também os que tinham a perder

Diante de tanta insolência, que deviam eles fazer?

As águias carecas, que se achavam carecas de saber,

Tão muito mais fortes que não sabiam temer,

Instavam os outros a imediatamente responder.

Os urubus, menos hipócritas, rindo deram seu parecer:

"Sois fortes, sim, mas são eles quem nos dão de comer.

Se massacra-os todos, somos nós que iremos perecer;

Lhes demos só um pouco, aprendamos um pouco a ceder

Ficarão tão felizes, tão cheios de si, mas com tão pouco poder

Que em breve, bem em breve, poderemos nos satisfazer.

Adiemos, porém, a vitória, finjamos a vergonha de perder."

Não faltaram discussões, decidiram só ao anoitecer.



Então os predadores todos foram obrigados a usar

Algum tipo de calçado que enfim pudesse evitar

A suprema humilhação de nunca se poder apertar

As mãos daquele com quem se estivesse a falar.

Como estavam todos os pássaros alegres a festejar

O dia em que os predadores e as presas puderam estar

Em mesmas condições, no mesmo patamar!

E como chorava, a tola graúna, a comemorar

A materialização do que vivia a sonhar.

Inocente, a tola graúna então passou a desejar,

Passou a almejar, continuou a trabalhar.

A graúna mais tola que já se viu sobrevoar

Quis dar passos maiores do que podia dar.



E iam assim, os pássaros, a conviver

Até que um dia a tola graúna se deixou ver

O que acontece quando vê-se a vida anoitecer.

Quando um coturno preto do céu se fez descer

E sobre filhotes se deixa impiedoso abater.

O enorme bico as carcaças pôs-se a comer

E outros ainda iriam vir a se abastecer

Daquela carne que mal pôde nascer.



A tola graúna, então, muito alto pôs-se a piar

Indignada, quis todos os outros chamar.

"Vejam como usam os calçados que os fizemos botar!

De que adianta não poderem nos sangrar

Se usam o que nós mesmos pudemos conquistar

Para mais facilmente, legitimamente, nos esmagar?"

Alucinada e ferida em sua fé, estava a graúna a gritar,

O grito da dor de se ver empregar

Pela ditadura o direito a votar,

Pela censura o direito a falar;

Tão descaradamente contra quem foi lutar

Atira-se de volta a bala, sem mesmo hesitar.



Justifica-se a águia que estava a se fartar,

Mas se o faz, explica-se a um seu par:

"Colega águia, estou no meu direito alimentar!

Mas veja, veja só, de que foi adiantar

Elevar as presas ao nosso próprio patamar?

Agora também querem elas o direito a piar!

Chegarão, enfim, mesmo ao absurdo de postular

Que a elas devemos nos igualar!

Que comeremos então? Ovos a gorar?"

E mesmo a águia mais liberal do ar

Aquela que deixava a graúna até mesmo piar

Viu o reflexo do sangue em seu bico brilhar

"Que diabos! Virão eles me questionar?

Eu, que só fiz de pronto os ajudar!"



A graúna, ferida de morte, continuava a piar

O sangue nas faces, as faces do sangue a se mostrar

Esperava fielmente a ajuda que não iria tardar

Daquela águia que lhe soube escutar.

Mas o silêncio teimava em ficar

Ela então entendeu a verdade milenar:

A palavra salvadora não estava a demorar.

"Tola, com sou tola de acreditar!

Aquilo que espero nunca chegará!"



E aquela graúna, sempre disposta a falar

Entendeu todo o mundo, só de olhar.

Palavra nenhuma pode explicar

A dor inexpugnável de se ver rasgar

Seus sonhos, antes ainda da vida findar

Por aqueles mesmos que os ajudaram a se formar.



Tal era a dor, tamanho era o sofrimento,

Que sabiam os amigos não haver acalento,

Não há tempo que cure o momento

De se ver o coração morrer por dentro.



A ex-tola graúna não mais piava

Não mais gritava, nem uma só palavra.

Se é que, além de doer, ainda pensava

Eram só essa a questão que se lhe apresentava:

Piar que palavra? Que palavra adiantava?



Antes ter morrido sob o coturno predador,

Antes não ter visto o silêncio aterrador,

Antes não ter percebido, não senhor...

Nunca ter entendido a lógica do caçador.



Quando se lhe pesou o calçado conhecido

Entendeu o que devia ter percebido.

Desde o início devia ter concebido

Os de rapina, ainda que de pés vestidos,

São as que comem, não são os comidos!



Não deixou sair a lágrima, olhos espremidos,

Aquela lágrima que caracteriza os vencidos.

De longe seu silêncio podia ser ouvido:

Entendeu, de repente, todo o acontecido.



Quem lhe dava sonhos era quem os mataria,

Quem esperanças lhe deu, no fim as tiraria.

Como pode um tirano mudar a tirania?

Como se pode, do prado, ver a pradaria?

Quem a escutava, no fim a calaria.



Resolveu ser rebelde, até no fim.

Se lhes puniam por piar assim

Morreria em silêncio, enfim.

Morte curta, cor de marfim,

Cor de osso, aroma de motim.



Todos os pássaros que a tudo puderam ver

Logo aos outros o fato fizeram saber.

"Não nos vale piar com quem vai nos comer!

Antes disso, o melhor mesmo é desaparecer.

Sumamos todos, antes até do amanhecer."



Debandaram os pequenos, esperam um tempo,

O tempo em que lhes alcançassem novos ventos.

Vieram ainda mais pequenos rebentos,

Pequenos porém enormes nascimentos.



A graúna calada que então se viu nascer

Não era tola como a que veio suceder.

O que tiver que vir, nós mesmo teremos que fazer.

Aqueles que comem carne para sobreviver

Como de igualdade irão entender?



Como lhes pedir o que nos diz respeito,

Como querer que vejam nossos direitos?

Como alargar, se precisam do estreito?

Como tornar esquerdo o que é direito?



Não sonhava, concretizava.

Não pedia, fazia.

Não falava, escrevia.

Mas também filosofava,

A graúna calada.



Repetia o que a passarinhada aprendia, desde o ninho:

"Todos esses que atravancam o meu caminho,

Eles passarão,

Eu Passarinho."


Vegetarians Of The World, Unite And Take Over 

Quem me dera ao menos uma vez.../Provar que quem tem mais do que precisa ter/Quase sempre se convence que não tem o bastante/E fala demais por não ter nada a dizer/Quem me dera ao menos uma vez/Que o mais simples fosse visto como o mais importante/Mas nos deram espelhos.../E vimos um povo doente!

Ontem, uma Amiga minha, do tempo da escola, me ligou. Aquele momento em que mofo e naftalina são os cheiros mais agradáveis do mundo, sim? Em certo ponto, chegamos ao assunto vegetarianismo. Por que as pessoas tiram as cuecas pela cabeça quando se diz que se é vegetariano? Não é uma conclusão muito difícil de se chegar, é só uma parte nossa difícil de aceitar.
Toda visão é uma distorção. Verdade não existe, existe só hipótese. Isso posto, tudo o que eu sei, na verdade, não sei bem ao certo se sei, e é só o que sei. No caso do vegetarianismo, eu ser vegetariana incomoda pra caramba quem não é. A coisa toda se dá da seguinte forma (bizarramente parecida com qualquer tratamento de desintoxicação, como qualquer apostilinha da Alcoólicos Anônimos atesta):
1) primeiro passo: o póim. Um belo dia, você, pessoa sensível e sensata, está fazendo prova. Acaba a prova, de História, no caso, e vc está naquele estado deplorável pós-prova. Seu cérebro pára de funcionar por puro e simples overload. Esses momentos, apesar de terem efeitos colaterais terríveis, assemelham-se em muito a outros momentos inestimavelmente valiosos de torpor em que as idéias boas proliferam. Como bons exemplos de tais momentos, temos algumas atividades facilitadoras de piloto-automático-mental, como: andar um caminho bem conhecido, de preferência bem reto e cumpriiiiido; dirigir, sem se estar perdido – se vc for uma mulher média ou um homem não estressado demais, serve engarrafamento; andar de ônibus; tomar um longo banho quentinho; ficar de bobeira olhando para a tela do computador, ou por preguiça de ver tv ou pra bater-ponto mesmo. Bem, voltando à historinha da prova, vc catatônica olhando a capa do livro de História enquanto espera alguém. Aquela gravura clichê do Portinari na capa. E vc, de repente: mas peraí... Como é que pode ninguém falar nada acerca de uma coisa tão manifestadamente estúpida quanto a escravidão? Quer dizer, em algum momento, a escravidão deve ter dado um clique na cabeça de alguém mais esclarecido, não? Como já dizia Joan Baez, the answer, my friend, is blowing in th wind. Ou seja, primeiro, pq parece certo o que todo mundo faz, assim como parece errado o que quase ninguém faz. Segundo, porque descobrir alguma coisa errada implica no sentimento incômodo de ter errado a vida inteira, achando estar fazendo o certo. Quanta gente, nessa época, deve ter ficado horas imaginando uma saída argumentativa pra justificar o dinheiro da família, do amigo, da nação? Póim. Ei, peraí! Eu seria absolutamente incapaz de matar uma galinhazinha, sou do tipo de gente que, quando pesca, joga o peixe de volta no lago! Ih caramba! Putz grila, mas...mas...

2) segundo passo: a negação. Não, não, é diferente. Claro que é diferente, tão diferente quanto um evento qualquer é de outro; o importante não é que haja algumas diferenças, mas sim que haja tantas semelhanças. Deve haver gente que é capaz de pegar um machado e deitar na cabeça de uma vaca, se estiver a fim de fazer churrasco. Mas eu não. Eu pago alguém pra fazer isso pra mim. E de preferência bem longe, pra que eu não fique com pesinho na minha conscienciazinha burguesinha normalzinha burrinha marronzinha. Ah sim, carne é gostoso, isso ninguém discute. Dinheiro também é maravilhoso, vindo ou não do tráfico de entorpecentes, da máfia, de peculato ou da escravidão. Não, não, é diferente. Tem que ser diferente, puxa vida, eu não sou um escravocrata, eu seria incapaz de escravizar... Aliás, também sou incapaz de matar um vaca, né... Não, não... È diferente, tem que ser diferente! Ah é, é? É mesmo?

3) Terceiro passo: a decisão. Ta bom, ta bom. Não dá pra se ser tão contraditório assim. Tenho que escolher: ou paro de comer carne ou esqueço o dia de hoje, invento alguma desculpa mal cozida e esfarrapada, que vou defender com unhas e dentes, até que os vermes me devorem o corpo. Póim. Aaaaaaaahhh!!! Vade Retro! Já disse que é diferente!

4) Quarto passo: a crise de abstinência
. Torturada pela sua consciência, vc toma uma decisão, após muito tempo em reflexão aterradoramente silenciosa. Muito inocente, entretanto, tão inocente quanto qualquer decisão que a consciência impõe que se tome de imediato. Vc quer parar de comer carne, aliás, todas as carnes, aliás, leite e ovos também, e os derivados do leite também... Pensando bem, plantas com agrotóxicos também, vou comer só frutas. Aí, vc passa mal, claro, pra aprender a pesar suas decisões. Com calma, um passo de cada vez. Primeiro, a Lei do Sexagenário. Em outra palavras, primeiro a carne de vaca. Suores frios causados por partículas odoríferas desprendidas do que vc reconhece ser estrogonofe, ou filé mignon. Crise de abstinência, uma tortura, vc pensa sessenta vezes em desistir, afinal de contas, pode ser mesmo melhor dar uma machadada na vaca se for por um filé mignon... Só um gole, dane-se quem vá apanhar depois, meu sofrimento é sempre maior, justificável... Só um golinho...

5) Quinto passo: musa de Cervantes. Pior que tudo junto, que a sua própria incerteza, que a sua própria radicalização burra, é a gozação geral. Até sua mãe te sacaneia. Muito normal: vc logo descobre que a não-violência é muitíssimo violenta, exatamente porque estabelece contraste com a violência, antes camuflada pelo hábito. Depois de apanhar um bocado e brigar um bocado, vc vê que quanto mais vc discute, mais munição dá pro outro. Aí vc aprende a incomodar ainda mais: escute as provocações com um risinho de superioridade, de quem enxerga um pouquinho mais do outro que ele mesmo. O lance não é vc estar errada, é o outro se incomodar com o seu erro, ou seja, ele se vê um pouquinho que seja em vc.Vc é vegetariana porque sim, porque te faz feliz e não prejudica ninguém. Não dê explicações. Até pq as perguntas não são perguntas, vc logo percebe, são desafios. Ninguém tem o direito de sacanear a sua escolha, se vc não abre o assunto para discussão. Incomodará ainda mais, vai ter gente querendo te enfiar comida goela abaixo. Hehehe. Dê valor a quem se incomodar: pelo menos se incomodam, já é caminho pra muitos póins; senão esse, outros.
6) Sexto passo: os outros passos. Agora é que é subjetivérrimo. Do mesmo jeito que tem gente que daria mesmo uma machadada na vaca, teve quem quis mesmo ver tudo quanto era criolinho no tronco, quem quis mesmo ver judeus queimando no forno. Nada se pode fazer. O problema, ou melhor, os problemas maiores são todos seus: até onde consigo ir e até onde vale a pena ir. Na Namíbia não tem como se ser vegetariano. Um membro da média classe média não tem como bancar nem ter acesso a todas as suas refeições macrobióticas.Se vc não consegue engolir carne de soja de jeito nenhum, não dá pra parar de comer leite e ovos. E há que se ter em mente a própria saúde, claro, porque já basta de acharem que todo vegetariano tem cara de faquir. Vegetariano com cara de faquir presta desfavor aos outros, complica a nossa vida. Assim como desculpas, explicações. Pra quem come carne, comer alface é bem parecido com fazer fotossíntese. Aliás, o touro, sabe, aquele bicho enorme e medonho, sinônimo de força e virilidade, que move carroças imensas, moinhos enormes, et coetera, o touro só come graminha, baby. Pra quem quer justificar seus hábitos carnívoros, nada como explicações vegetarianas. Quem já leu sobre o assunto, sabe que cada vegetariano conta por dez. Não dê explicações, porque explicações não são devidas. Só discuta com quem respeite sua visão. E viva mais 20 anos, feliz da vida, sem dar explicação alguma. Porque tentar explicar é não conseguir explicar. (maiores explicações acerca da última frase num texto próximo)

quinta-feira, junho 03, 2004

Donovan, direto de Moscou 

Quando até o mais próximo é divergente, quando se é insuportavelmente diferente, quando a gente começa a desejar pelo menos uma etiqueta (puta merda, só umazinha...), quando tudo o que se quer se resume a pálpebras mais grossas e furos nos tímpanos, quando saco de papel é a única solução, quando se suspira mais que se fala, quando até a voz é ou um grito ou gemido, quando "tudo bom?" é a pergunta mais idiota do mundo, quando as muletas te dão banda, quando todo canto é frio, quando toda música soa como uma falácia, quando a melancolia é tanta que explode em mil estilhaços de fúria aparentemente injustificada, quando respirar dói, quando tudo isso acontece, é que me dou conta o quanto sou dependente de certos vícios. Eu quero muito esse domingo, inusitadamente. Preciso desse domingo, tão ironicamente que chega a me arrancar um sorriso, mesmo nesse estado. "Quando descobri que é sempre só vc / Que me entende do início ao fim / E é só vc que tem a cura pro meu vício / De insistir nessa saudade que eu sinto / De tudo o que eu ainda não vi."_ Índios, Renato Russo (outro russo... só os russos me entendem)P.S.: Saudade do que eu ainda não vi, na ponta da língua: o cheiro do ar da Irlanda.

terça-feira, junho 01, 2004

Quinto mini-poustinho 

AAAAARRRRGGH! Que puuuuta saudade da minha língua... Iara-rarucha, iara-rucha-chá, pá pá pá ra pá ra pá... glu,glu, mon amour!

Quarto mini-poustinho 

Larguei duas turmas no trabalho, resolvi que o Dostô e o Foucault são muito mais importantes que dinheiro. E que se foda quem mora na Barra ou na Zona Sul: minha capacidade de deslocamento será mortalmente afetada a partir do próximo mês. Mas como já dizia o grande jurisfilósofo Chorão: Mas que se fôôôda!

Terceiro Mini-poustinho 

Devaneios no metrô da Siqueira Campos. Vamos começar pelo nome. Que diabo de nome horroroso. E, afinal, que puto foi Siqueira Campos? Deve ter sido mais um infeliz que apresentou um ante-projeto de atualização do Código Civil há meio século. Digo código civil não só por causa da porcaria da prova de hoje, mas pq é fato notório que só velhinhos de sobrenome Pereira escrevem projetos de Código Penal. Enfim, estava eu, pobre acrofóbica, desesperada com aquelas passarelinhas fininhas que cruzam inutilmente entre o teto da caverna e o piso acima da plataforma. Claro que aquelas passarelinhas não são feitas pra ninguém passar em cima, mas não julguem sem conhecimento de causa: só um fóbico entende as lógicas invertidas das fobias. Pois estava eu completamente incomodada pelos trequinhos aéreos quando bati meus olhos naquele buraco no meio da plataforma. Acontece que correm trilhos por baixo de onde estamos parados, na Siqueira Campos, muito provavelmente porque alguém calculou o trilho errado, ou “calculou errado”, de forma que temos dois trilhos lá na estação, mas um está por baixo da plataforma dos passageiros. O chão, pra resumir, não tem nada de chão- é como um palquinho. E vagabundo. Agora, colem os pedaços tridimensionais desse Hitchcock: uma menina acrofóbica, morta de sono; passarelinhas aéreas bizarramente finas e inúteis; um teto com cara de caverna pretes a desabar, nenhum traço de colunas artificiais ou qualquer outro esforço humano para segurar o mundo nas costas do Atlas; e, de cereja, um chãozinho vagabundamente instável e exposto. Claro que qualquer pessoa sensata diria: mas que imbecilidade! Aparências nada têm a ver com eficiências! Concordei plenamente, dois minutos depois, mas só quando já dentro do metrô. Conclusão: seguranças são ilusões, inseguranças e medos também. Se alguém ama a lógica como eu amo, vai a partir de agora entender meu ódio pelas seguranças, inseguranças e fobias. Que ódio. Aí eu fico querendo me provar que eu me domino, que quem manda é o racional, parada em algum parapeito, sentindo o mundo girar desconfortavelmente em volta do meu umbigo e o suor frio escorrendo pelas palmas das minhas mãos. Nesse momento crucial da batalha, vem algum animal, burro demais ou sádico demais, e grita “Bu!”. Aí, eu vejo que o racional quase nunca ganha mesmo, e me tranqüilizo. “Does the body rule the mind, or does the mind rule the body?”


Segundo Micro-mini-poustinho:  

Ai, o Dostoiévsky... o ministério da saúde mental adverte: nunca misture cocaína com álcool, destilados com fermentados e Sartre com Dostoiévsky. Orgasmos intelectuais multiplíssimos e incontroláveis, inclusive no metrô. Além do mais, pro povo jurídico, tem o Aury Lopes Jr., que é um daqueles caras Phoda... Mas voltando ao Dostô, aí vai uns pedacins favorits: “É sempre assim que acontece a essas almas românticas: vestem as pessoas, até o último instante, com penas de pavão; até o último momento, esperam o bem e nunca o mal; e ainda que pressintam o reverso da medalha, por nada deste mundo dizem antes a palavra justa; só o fato de pensarem assim as choca; tampam os olhos com as mãos diante da verdade até que a própria pessoa a qual vestiram com penas de pavão surge e lhes abre os olhos”. “Todo o dinheiro que mandou, dei-o à viúva do tal homem para o enterro. A pobre mulher fazia pena (...). A senhora talvez fizesse o mesmo que fiz, se visse aquele horror. De resto, reconheço-o, eu não tinha o direito de dar aquele dinheiro, sabendo o quanto custou à mámienhka consegui-lo. Antes de auxiliar o próximo, é preciso ter direito a faze-lo: crevez chiens, si vous n’êtes pas contents!* Não é assim? – e pôs-se a rir.” *Que morram os cães, se vocês não estão contentes!

Primeiro Micro-mini-poustinho 

Não escrevi no fim de semana, como de costume, por eventos de força maior, já que hoje fiz o diabo da prova de civil que me tomou o sábado inteiro estudando. Já no domingo, em compensação, tivemos o churrasco do Dennis, lá na casa do cacete. Destaques do dia, já que me alongar é feio, feio, feio: “mousse” da mãe do Dennis; Ekaterine, a paulista mais carioca do mundo; sambadinhas, de dedinho e tudo, do Dennis Boy; espetáculos Ciçences; o cd mega-rave de 11 horas, que não funcionou de jeito nenhum; o cachecol do Cro; o São Jorge de veludo e o coraçãozinho “cristo salva”; Jeanne entornando caipirinhas e, por último e em destaque, dois dogues alemães albinérrimos, mais lindos impossível.

Crevez Chiens Si Vous N'êtes Pas Contents 

Tenho recebido reclamações irritantemente iguais, que me forçaram a reconhecer uma falha crassa: total incapacidade para concisão. E só digo irritantemente por não haver nada mais irritante que ser obrigada a reconhecer sua falhas.
Pois bem, separarei o meu pousti da semana em 06 poustinhos para facilitar a leitura. Aguardem, em breve, cadernos de perguntas e estudos dirigidos. Talvez até um glossário e um índex temático.

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