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sábado, outubro 30, 2004

Radiohead - Life In A Glass House 











Life in a Glass House
Once again, I'm in trouble with my only
friend

She is papering the window panes

She is putting on a smile

Living in a glass house



Once again, packed like frozen food and battery hens

Think of all the starving millions

Don't talk politics and don't throw stones

Your royal highnesses



Well of course I'd like to sit around and chat

Well of course I'd like to stay and chew the fat

Well of course I'd like to sit around and chat

But someone's listening in.



Once again, we are hungry for a lynching

That's a strange mistake to make

You should turn the other cheek

Living in a glass house


O violador pede baixinho: “me abraça” 

Num certo ponto, aparece um homem e rasga seu peito em dois. Assim, sem motivo, na frente de todos os seus 4 amigos, dos seus colegas, de conhecidos e desconhecidos. 21 anos forjando e reforjando a sua armadura e não serve para absolutamente nada: ele já sabia de tudo, nem precisou perguntar nada. Não só sabia, como tinha nas mãos uma clava oculta que jogou por terra todos os seus muros, armadilhas, senhas e charadas. E você, a mais arrogante de todas as pessoas, a que se joga na frente das balas, a que suporta sempre os chicotes com um sorriso petulante, a maior Grace do mundo, você vê-se então humilhada, de cara no chão, completamente dominada por um medo estúpido. Logo você, que acha o medo patético, que se pensava tão superior, que não precisava tanto assim de nada nem de ninguém. Então, quando esse homem extraordinariamente forte não só lhe viola os segredos, não só lhe expõe o peito, mas também (e principalmente) te domina completamente e te segura no chão, a perda é irreversível. A campeã do estoicismo não teme a dor, mas desaba ao ser confrontada com o próprio medo... Muito pior que tudo é saber que esse caso não é tão simples quanto os outros: não há reeducação, vingança ou retaliação. Não pelo motivo de sempre, o martirismo arrogante que te fazia bem, mas por causa da natureza radioativa desse amor absurdo, que independentemente do meio continua enviando partículas de si, sem motivo, mesmo sem objetivo. E você sabe que ama esse homem como nunca amou nenhum outro. Irreversivelmente imobilizada, o choro é muito menor que a sua tristeza ou que a sua raiva. Quando a lágrima seca, deixa o sal sobre os cortes e toda a dor fica pequena e suportável novamente. Só então você olha para o lado e vê seu Titã com o rosto no chão. Vê seu violador, que jaz exposto, ele mesmo violado, caído, desmascarado, de cara no chão. Ao seu lado. Vê aquele homem, tão forte, tão invencível, chorando no seu colo. Vê aquele homem, ainda mais arrogante que você, amaldiçoando as próprias lágrimas. Nus, expostos, violador e violado alternam-se, lado a lado. Até ontem, eu diria “tudo bem, eu perdôo o seu sadismo”. Até ontem eu diria “você não precisava me rasgar assim pra se abrir pra mim”. Mas, depois de tudo, não. Agora, não. Hoje eu fico em silêncio, contemplando o nosso masoquismo extirpado, escalpelado e pendurado pelos tornozelos atrás da porta. Hoje, eu fico aqui deitada nos seus braços enquanto o dia amanhece. Olho nos seus olhos, duas lâminas de gelo, dois pedaços do meu céu cinza de outono, e não vejo mais nem um titã nem um menino. Vejo só o homem com quem eu dividiria todo o meu caminho. Todo o papo de elevador, depois, foi só pra refazer as energias e seguirmos adiante. Já eram seis da manhã e o tempo já tinha voltado a correr pra gente na mesma velocidade que pro resto do mundo. Foi só pra conseguirmos rir um pouco e sairmos um de dentro da carne do outro, pra conseguirmos ir embora antes de ficarmos tempo demais ali.

sexta-feira, outubro 22, 2004

Meu Bem, Essa é Tua Deixa 

(Escrevo tanto e sai tudo tão pouco!) Tento tanto descrever o que sinto e não chego nem perto do começo... Se me vires chorar, não te espantes; meu choro é meu desespero, minha impotência, minha pequeneza. Deixa ao menos chorar quem nem mesmo consegue sair do lugar! Deixa meu violão soar assim desafinado, fora do tom, já que eu estou doendo tanto assim... Deixa que eu diga frases sem nexo, deixa meus predicados soltarem-se dos sujeitos, deixa todos os meus verbos com uma terceira pessoa. Deixa meu olhar perdido, deixa meu coração assim aberto e partido! Deixa que eu fique sozinha, deixa-me na janela. Deixa-me tropeçar nas minhas penas, não me sustentes! Deixa-me carregar meus pesos, deixa-me arrastar os pés! Deixa-me amar assim, desse tamanho que nem cabe em mim! Deixa-me transbordar, deixa que eu deixe entrar muito mais do que um dia eu poderia! Deixa-me ajoelhar, deixa-me sujeitar, deixa-me implorar pelo que não virá... Deixa-me ser ultra-romãntica, azeda e Azeveda! Deixa-me ser miserável, ridícula, insígnia do sem sentido... (Vire o rosto agora, que meus olhos estão cheios d’água e eu não consigo nada pra preencher meu vazio.)

Was nützt die Liebe in Gedanken?* 

De repente a luz é muito mais
forte do que antes (ou foram seus olhos que mudaram?).

De repente, seu corpo se expande e
ocupa todo o lugar do espaço.


De repente, o importante te soa
infantil e inútil.


De repente, o tempo para só pra
você e fica ali olhando, com pena de você carregar tanta vontade de chorar.


De repente, uma bobagem é a coisa
mais bonita que você já viu.


De repente, palavras soltas roubam
harmonia sabe-se lá de onde e tornam-se a melodia que você sempre ouviu
reverberando por dentro dos seus ouvidos.


De repente, só mais um sorriso é
um tremendo soco no peito e uma absurda vontade de vomitar.


De repente, os cheiros, os ventos e
todos os tempos verbais ziguezagueiam por entre a massa gasosa que você se
tornou.


De repente, sua mente fica tão
poderosa que você descobre o quão estúpida, ridícula e prepotente você
sempre foi (e ainda é).


De repente, tudo o que passa na sua
cabeça é tão maior que respirar perde o sentido.


De repente, o mundo é tão
pequeno, tão concentrado, que o peso do ar força os seus joelhos para baixo.


De repente, você se pega olhando
para as mais vulgares margaridas.


De repente, você quer se rasgar em
pedacinhos minúsculos pra que ninguém perceba todos os seus erros e contradições.


De repente, tudo se mistura e o
caos é tão, mas tão bonito, que você acha que não vai nunca mais
conseguir parar de chorar.


De repente, você descobre que
sempre soube desenhar flores.


De repente, as pontas dos seus
dedos ficam dormentes, você perde a fome e fica a semana toda sem dormir.


De repente, você se pega cantando
músicas que não existem.


De repente, ideologia é só
imbecilidade unilateral.


De repente, você trabalha sem
fazer idéia do que está fazendo, copia sem ler e responde sem ouvir.


De repente, seus olhos escolhem
tirar o foco de tudo e você se transforma numa pessoinha virada para o fundo
dos seus olhos.


De repente, todos os rostos são de
casca de tangerina.


De repente, você xinga Pitágoras
porque só agora você enxerga todos os triângulos.


De repente, Ehrlich e Foucault te
dizem tudo o que você passou meses tentando traduzir e processar na sua cabeça
de vento.


De repente, você se toca que
Raskolnikova é seu verdadeiro nome e que as pessoas que te deram esse pseudônimo
que você carrega no RG não fazem mesmo a menor idéia de quem você seja.


De repente, você pega uma doença
que faz com que você seja a única pessoa caminhando sob a chuva, com as mãos
nos bolsos, assobiando e sentindo as gotas nas suas bochechas.


De repente, positivo e negativo são
conceitos risíveis e os pólos da sua pilha passam a ocupar o mesmíssimo
lugar. De repente, despedidas são melhores que bom-dias.


De repente, você percebe o vazio e
perde o medo de sentir dor.


De repente, você para de ter medo
da morte e, justo por isso, deixa de ter medo da vida.


De repente, você se esquece de
tirar os óculos.


De repente, seus ouvidos ficam
seletivos ao cúmulo.


De repente, você descobre que
nunca esteve nos controles.


De repente, seus pés têm asas e
deslizam sozinhos pelas ruas.


De repente, você tem a sensação
de existirem 100 balões de gás amarrados na sua gola.


De repente, o fato de ser dia ou
noite não faz a menor diferença.


De repente, seu peito parece que
vai arrebentar e dá uma vontade absurda de gritar.


De repente, suas imagens das coisas
fazem mil vezes mais efeito que cadeados.


De repente, alguma coisa te faz uma
falta imperiosa.


De repente, você passa dias com a
boca seca.


De repente, você fica horas
olhando para a janela, mesmo que ela dê para um muro.


De repente, o menor movimento do ar
arrepia todos os pelos da sua nuca.


De repente, você dava todo o seu
dinheiro para que, uma única vez!, o barulho dos passos viesse num cresciendo.


De repente, você se descobre
sempre fugindo para um mesmo lugar.


De repente, você perde uma prova
ou uma reunião enquanto fica sentada num banquinho.


De repente, você boceja durante
seus filmes favoritos.


De repente, sua caneta vai
escorregando por páginas a fio e você não descobre nada, não organiza
nada, não chega a conclusão nenhuma.


De repente, tudo é tão nada.


De repente, você se sente
radioativa e todas as suas palavras são mensagens em garrafas.


De repente, parece que sua pele está
encolhendo.


De repente, você só consegue
pensar em baldes d’água.


-//-


(* "De que serve o amor em
pensamento?" – Além de serem as palavras por ora tatuadas por dentro das
minhas pálpebras, é o nome de um filme)




quinta-feira, outubro 21, 2004

VIVA O ABORTO DO ANENCÉFALO!!! 

Sinto uma raiva absurda de viver num país onde a porra do Supremo Tribunal Federal ainda está discutindo a “possibilidade” DO ABORTO DO ANENCÉFALO. Só isso, desabafo.

sexta-feira, outubro 15, 2004

Pelo Superego Super Nego Meu Super Ego 

Que fazer, senão ceder, senão deixar-se ser?


Se derroto a mim mesma, como posso vencer?


Se me susto, se me controlo, se me cerceio demais, se sou
guarda e prisioneira ao mesmo tempo, quem está presa além de quem prende?



Efeito Palimpsest 

(Palimpsest é um manuscrito para cuja confecção usamos um
outro manuscrito, previamente raspado ou lavado. Uma prática muito comum nos
círculos eclesiásticos medievais por óbvias razões econômicas: naquela época
não havia Pergaminhos Chamequinho.)

Esse fim de semana prolongado em Ouro Preto provou-se muitíssimo
produtivo. Descobri coisas novas que odeio, coisas novas que desprezo, coisas
novas que prezo, coisas antigas que não mais odeio e coisas antigas que já não
amo mais.


Descobri que falamos, todos, muito mal e que ouvimos muito
mal também. Por exemplo: se me dizes, inocentemente, sem intenção de
magoar, palavra que, no entanto, me magoa, qual de nós está errado? Penso
que os dois.


Claro, isso parece RIDículo, mas não ria do ovo de
Colombo. Afinal, veja bem, esse mesmo é o sentido de "descobrir", que eu
usei ali em cima. Portanto, fica aqui batizado o Efeito Palimpsest de
apagar-se para reescrever-se.


Heimatland 

Também peguei-me num novo dilema, por uma antiga convicção posta em face a novos fatos. Fazia anos que eu não entrava numa Igreja. Não digo isso naquele tom de passava-na-porta-mas-tava-sem-tempo. Isso simplesmente nunca fez parte da minha vida, mas ultimamente eu tinha ido da indiferença para um incômodo absurdo quando o fato social familiar obrigava o comparecimento ao templo em questão. Algumas pessoas, imagino, não entenderam o que eu quis escrever, então vou tentar uma metáfora: para mim é como entrar num hospital. É extremamente incômodo e eu quero sair o quanto antes dali. Pois bem. Em Ouro Preto, é bem sabido, só há mais ladeiras do que Igrejas. Chega a ser patético, pelo menos para mim, desentendida dos encantamentos religiosos: duas igrejas no mesmo lugarzinho é super comum. Ainda por cima, haviam oratórios em cada esquina, ensina a plaquinha do museu. Enfim, estávamos visitando a cidade e todos pararam em fila para entrar na primeira Igreja, na esquina (esqueça os padrões de ruas e esquinas do Rio ou São Paulo: uso esquina por falta de vocabulário urbanístico para coisas localizadas em uma dobra, entre ladeiras) da rua (leia-se ladeira) da pousada. Estão todos na fila e eu, bem, eu parei congelada no portão. Juro. Aconteceu um fenômeno meio estranho com essa superigrejização da cidade (um fenômeno que, acho eu, só deve ter interessado a mim, tão estrangeira a esse mundo cristão que todo mundo conhece tão bem que às vezes me sinto ilhada. Sinto um tipo de curiosidade gringa por isso, se é que me faço entender, e deve ser muito engraçado aos “nativos” do assunto, ver o assombro meio bobo de estrangeiro face a coisas tão corriqueiras e usuais que ninguém nem dá bola). Voltando aos efeitos curiosos da superigrejização Blackgoldiana: primeiro, cobra-se entrada para visitar as igrejas. Parada na fila, mais algumas entre as mil perguntas que me brotavam na cabeça: como será que eles sabem quem é fiel local e vem só dar uma rezadinha, fazer promessa, iadda-iadda, e quem é turista e veio olhar a arquitetura? Será que tem um horário pro pessoal vir? Como eles vão barrar então os turistas “espertinhos”? Será eu tem uma igrejinha não-histórica, vagabundinha, que serve pro povão rezar em paz? Pode, isso de cobrar pra entrar em igreja? Segundo, temos toda uma gama de personagens no mínimo estranhos: vendedores de bijuterias no pátio e guias lá dentro. Tudo é tão isso-é-só-mais-uma-igreja que nós, turistas, éramos os únicos incomodados com o cachorro que subiu as escadas e já ia entrando. As pessoas não fazem sinal da cruz, por exemplo, quando passam defronte às igrejas, até por impossibilidade material (já viram o quanto a materialidade influi no protocolo-cerimonial das religiões?) O limite entre igreja e museu é tão tênue que eu não saberia qual é qual, não fosse pela arquitetura (também histórica, por si só!). Disse isso tudo porque foi isso, exatamente, que gerou todo o meu conflito: eu nunca sinto a mínima vontade (mesmo – sinto até um certo desconforto) de entrar em igreja nenhuma; por outro lado, adoro museu. Pronto, deu pra entender? Demorou um tempo para que eu conseguisse racionalizar a situação e entender meu conflito de emoções... Aí, paguei a entrada e fui atrás do guia, mas não subi ao altar. (Comentário Juris: princípio da proporcionalidade, não? Viva Binembojm)


argumentum ex nihilo 

Bem sabem as pessoas que foram comigo da minha total desinformação sobre a viagem. Entendam, gente: minha família (leia-se minha mãe) acha super normal e empolgante passar as férias indo pra lugares históricos e turísticos. Passei minha infância e adolescência assim. Quando me disseram: “vamos pra Ouro Preto no feriado?” foi só isso que eu li (de novo, o efeito palimsest). Na semana antes, qual não é minha surpresa ao descobrir a existência de um evento bizarro chamado “Festa do 12”, sediado nessa pitoresca cidade mineira, através de um e-mail da Vivi. Todas riram da minha cara no dia seguinte, quando revelei não só não saber que diabos era aquilo, mas também me recusar a acreditar que o meu conjunto “Ouro Preto” tinha uma interseção com aquele... treco micaretístico. Bem, cedi e fui. Podia ter pedido meu dinheiro de volta, mas me recusei a acreditar que tratava-se da mesma coisa. Durante o dia, meu conjunto, fora um monte de mineiros bêbados. Mas mineiro é muito legal, nesse sentido: passam mal quietos, se dão auto-tocos instantâneos, gritam baixo, esse tipo de coisa muito bizarra para uma carioca. Dessa forma, os dias foram muito agradáveis, torrando muito dinheiro com vinho, comida, lembranças e pedra-sabão, e visitando os lugares- muito interessantes e altamente viajáveis pela minha cabeça cansada da UERJ. Durante as duas primeiras noites, fiquei na pousada, fazendo o que mais gosto: falando horas seguidas. Na primeira noite com minha nova pessoa, tia marcela, que eu não conhecia. Na segunda, com minha aprendiz de psicóloga favorita, a Ciça. Na terceira noite, resolvi experimentar esse negócio de República. Todo mundo já estava devidamente avisado dos meus gostos, portanto houve o mais completo dolus malus (intenção malvadíssima) em me fazerem passar na porta de uma República, FECHADA, que estava tocado o Nevermind todinho. Fiquei lá, pulando sozinha na calçada. Depois, me enfiaram num calabouço – vc descia, descia, descia – onde não estava tocando nada. Quando eu já estava esmigalhada num cantinho, começa uma bandinha de pagode. Minha gente, fiquei 58 minutos pedindo pra ir embora, tendo como resposta o sádico “só mais uma música e a gente vai”. Eventualmente consegui convencer as pessoas a irmos embora, ajudada pela falta de talento do conjunto, do entusiasmo erótico do casal ao nosso lado (quase fui estuprada em crime continuado num ménage) e do mais absoluto e empestiante fedor que um sujeito emanava de suas axilas. A outra República, essa sim chamada de “masmorra”, ironicamente, tinha uma bandinha de rock e depois tocou tecno. Tocaram o mamute e tudo, gostei deveras DESSA PARTE. Isso tudo posto, nunca mais viajo com certas pessoas sem antes fazer uma pesquisa extensiva acerca das condições ambientais. Só pra terminar, o ônibus era insalubre. Só conhecendo a minha vida alguém pode entender como, ainda assim, foi melhor que ficar em casa. Or so I want to think.

Discordo do Pomo 

Ainda no clima palimpséstico, discuti com minha nova amiguinha muitas coisas interessantes. Muito bom conhecer gente inteligente, não? Pois bem. Revendo conceitos, descobri que deveria ter sido um pouco mais generosa com defeitos alheios, principalmente quando eu os conhecia de antemão. Como já diz nossa grande poetisa e filósofa Alicia Keys: “Shame on you if you fool me once; shame on me if you fool me twice”. Diluindo esse “fool”, é bem por aí. Como já diz a Natália, muito mais versada nas relações de poder do que eu, amizade não recíproca porcaria nenhuma. Nicolai, meu querido professor de Sociologia (casava com ele), citando algum velhinho cujo nome me escapa, diz que poder é a capacidade de impor ao outro os seus interesses. Aceitou a paga? Problema seu. Mas voltando ao meu humilde caso concreto, deveria eu ter sido mais generosa com as provas da minha falta de importância. Desde quando importância é recíproca, necessariamente? Nem deve ser. Esse lance Éxuperiano de “tornas-te responsável por tudo o que cativas” soa para mim como justificativa de estuprador, ou pedófilo. Suprema ironia da vida: justo quando estava preparada para aceitar, finalmente, minha transparência, minha ignorabilidade, minha desimportância quase vice-presidencial, o sujeito ignorador me reaparece debaixo das barbas. Só pra testar minhas convicções, a coincidência acontece murphianamente justo quando a convicção se forma, achando que suplantou o instinto emocional primitivo de raiva pelo ego ferido, de vontade de vingança. Só tenho a dizer que minha Atena cagou pro Pomo.


Teoria dos 4 Elementos Fundamentais da Lâmpada 

Primeira explicação importante: nesse texto, baseado em uma discussão entre duas mulheres e dois homens, a palavra “amor’ foi substituída intencional, terapêutica e preventivamente pela palavra “lâmpada”. Isso para evitar qualquer tipo de carga emocional que todos, inescapavelmente, possuímos, assim como para evitar erros de interpretação tão facilmente cometidos com uma palavra de significado tão forte e tão genérico. Amamos a mãe, o cachorro, chocolate, tal biscoito, tal matéria, tal programa, tal pessoa. Uma limitação só eu vou fazer: “lâmpada” sempre se refere a uma pessoa, pelo menos aqui, em nosso raciocínio. Isso dito, os quatro elemento, sem mais delongas, são: a) atração física (alcançando ou não o nível sexual); b) atração sócio-histórico-psico-ideológica (incluído aqui as amizades antigas, os sentimentos de identidade cultural e o tesão intelectual); c) a inércia ( a própria falta dos outros elementos, o medo de mudanças ou qualquer coisa que mantenha misteriosamente o saco vazio em pé); e d) o plus (o que chamamos química, paixão, um sentimento diverso dos tesões do tipo a ou do tipo b, entretanto, embora quase sempre venha acompanhado deles). Combinariam e recombinariam-se eles quatro, livremente, para formar a Lâmpada, incluindo as sub-lâmpadas não sexuais e sexuais todas.

Para alguns, é viável que a sub-lâmpada mais intensa, aquela coisa Romeu e Julieta, se forme só com um, para outros só com os quatro. Que acham vocês? Pra mim, sem plus, surplus.


Parte pelo Todo 

Era uma vez um pardalzinho que odiava muito mesmo ser pardalzinho. Não exatamente ser pardal, mas ser inho. Ser pardal, por si só, já é chato, veja só. Ser pequeno, desimportante, versão só um pouquinho mais simpática que os sujos, mendicantes, humilhados e famélicos pombinhos. Pardal não canta, pardal pia, e olhe lá. Pardal não tem cor, é pardo, que é um nome cruel que a gente usa pra dizer que uma coisa é meio borrada, meio misturada, e a gente não tem paciência nem interesse em definir de que cor é. Nem nome o pardal tem: é só ‘o que é pardo”, palavra que, convenhamos, não identifica nada. Pardal, portanto, já sofre, minha gente, o suficiente. Imagine então a raiva desse pardal em particular, quando alguém, portador de toda a boa-fé dos míopes, de toda a excusa dos ignorantes, ou de todo o sadismo dos narcisistas, alegremente referia-se a ele com o diabo do diminutivo. Pardalzinho, pardalzinho, pardalzinho.


domingo, outubro 03, 2004

Deutschland, 1939. 

Digam-me aí, até que ponto deve uma pessoa ser tolerante com a opinião alheia? Digo isso porque acho o tema dos mais relevantes, já que está na base de qualquer discussão. Se verdade é só um ponto de vista majoritário, quanto devo confiar nas minhas próprias opiniões? Devo aceitar qualquer opinião? As pessoas têm mesmo o direito a ter qualquer opinião? Quando passo de tolerante a covarde, de civilizada a co-agressora por omissão? Quando é que não dizer nada é mais sábio ou mais inocente? Quando discutir é ruim? E quando pode ser bom? Que se faz quando o agressor não quer discutir? È melhor reagir ou dar a outra face?

Us and Them 

Eu, na ponte, vejo uma mulher na praça. Tem ela mãos maiores que as asas e os pés firmes no chão. Ela sorri, cantarolando, enquanto balança sua bolsa de compras. Eu, sentada no parapeito, sinto um aperto no peito e um arrepio que balança minhas penas. Só acho conforto nas minhas asas, atrofiadas que estão as minhas mãos por desuso. Já faz tempo que a leveza da minha atenção, tão pouco densa, superou o peso dos meus pés. A figura lá embaixo nasceu para essa terra, para essa vida, está perfeitamente adaptada ao mundo. Já eu não acho lugar para as minhas adaptações. O dia passa por mim, me confunde com uma estátua e me batiza Inércia. Se a mulher me perguntasse para onde estou indo, eu responderia que estou dando a volta no eixo da Terra e rodando em volta do Sol, entre outras espirais fractais. Mas ela nunca faria uma pergunta dessas. Ela é daquele tipo de gente que, quando perguntada sobre a cor do céu, responde imediatamente: azul. (Que disparate!) Eu faço parte daquele grupo de gente que se sente não-parte, ou que se sente não-gente. Enfim, há vezes em que não queremos mesmo ser gente, de jeito nenhum; já por outras vezes gostaríamos de ser, porque nos dói demais a solidão. Somos sempre aquela pessoa de sorriso amarelo, que não concorda muito, que não se enturma muito. Eu sento nas pontas dos sofás, eu rodo copos nas mãos com uma habilidade profissional. Eu tenho mais horas de treinamento de sorriso que qualquer atriz ou ator. Ela, lá embaixo, é daquele tipo de gente que já nasceu sabendo sorrir, sabendo que roupa usar. Eu sou daquele tipo de gente que gosta de chuva, que se pega olhando pro mar. Daquele tipo de gente que vê um pouco de beleza em toda tristeza, e quase sempre muita tristeza em quase toda beleza. Sou do tipo de gente que metralha palavras com os olhos e que escuta com a pele. Faço parte de um grupo estranho que não vê muita graça em trocar saliva e só, que prefere trocar ou ficar só. Sou daquele tipo de gente doente que odeia domingo, que não gosta de praia, nem de multidões, nem de aniversários, nem de casamentos. Sou daquele tipo realmente patológico de gente que gosta mais de perguntas do que de respostas. Que lê jornal ao contrário. Que quase vomita quando sente cheiro de carne crua. Que tem um nível de ansiedade só um pouquinho abaixo de uma Síndrome de Tourette e, portanto, vive dizendo o que deveria calar. Eu sou daquele tipo egoísta de gente que se recusa a mudar os próprios códigos para facilitar a percepção alheia. Eu sou daquele tipo prepotente de gente que não suporta muita gente. Eu sou daquele tipo de gente que sente pena de acabar o livro. Que gosta mais de embrulho do que de presente. Que gosta mais da lucidez que de entorpecentes. Que sonha com instrumentos musicais orgânicos. Que acha que felicidade é montar um marchador em pêlo num campo aberto. Que desconfia de qualquer bicho de pêlo totalmente branco. Que tem medo da própria curiosidade. Que usa as roupas até elas rasgarem porque não vê a menor graça em gastar dinheiro com novas. Sou parte daquele grupo chato que gosta de poucas coisas e que enjoa rápido de quase tudo, de forma que assim, lhe sobrando tão poucas, é facílimo idolatrá-las e ofender-se. Sou de um tipo desgraçado, que nasceu apaixonado e cético na mesma medida. Que acha normal não dormir, não comer, passar horas trabalhando ou estudando até mudar o formato da coluna, mas não consegue suportar ser ignorado. Sou daquele tipo de gente fadada por si mesma a ficar só, um pouco mais a cada dia. Sou daquele tipo de gente que nunca vai conseguir exprimir que diabos lhe passa pela cabeça. Que escreve para tentar apaziguar uma dor que não tem razão: a dor de saber-se parte dos que racionalmente sabem-se parte dos sem razão. (p.s.:us and them - The dark side of the moon - pink floyd)

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