<$BlogRSDUrl$>

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

Similaridades, diferenças e tudo o que houver no meio do caminho - Parte 1 

Pois bem, era uma vez um irmão que resolveu vir me visitar.



Esse é o Gabriel, meu irmão, no escritório que me emprestaram. Ele está muito feliz mesmo em passar sua primeira tarde em Toronto dentro de uma sala na Universidade!

Prosseguindo com o dia festivo, levei meu irmão para fazer mais uma das minhas atividades favoritas: compras no supermercado.



Esse é meu irmão, em meio `as tulipas do supermercado orgânico-local-fair-trade que é o meu favorito.

No dia seguinte, fiquei me sentindo um pouco culpada de não ter feito nada de interessante com o meu irmão. Resolvemos então caminhar até o bairro grego de Toronto, do outro lado da cidade - o dia não estava muito frio e caminhar é sempre uma boa maneira de conhecer uma cidade chat..., quero dizer, uma cidade calma e pacata como Toronto.

E lá fomos nós, caminhando contra o vento (literalmente), sem lenço (infelizmente) e sem documento (evidentemente - quem é doido de ficar andando por aí com passaporte?).



Chegamos a uma ponte. Vou te contar, o pessoal de Toronto podia se esforçar mais, `as vezes: a ponte já é feinha, ainda por cima o povo coloca o nome da ponte de Prince Edward Viaduct. Viaduto do Principe Edward é um nome muito deprimente...

Pensando nisso, percebemos que a ponte era toda fechada com fios de aço. O pessoal de Toronto pode não ter empolgação nem criatividade - e pode até ficar deprimido por causa disso - mas a ponte é totalmente segura. (Além disso, é bom lembrar que nos países frios ocorrem depressões relacionadas com a falta de luz do sol.)

No começo e no final da ponte tem também placas com o número de um serviço de ajuda para pessoas que estão em crise. Em outras palavras, ficou logo estampado no nosso passeio a imagem da 'paz, ordem e bom governo', o lema canadense.

Abaixo, meu irmão ao lado das estruturas não tão bonitas, porém bastante eficientes e seguras.



Aliás, a gente concordou que a ponte parecia inspirada no clipe "Do The Evolution", do Peal Jam. Eu disse isso pensando que era uma referência bacana, mas acho que meu irmão quis dizer que era uma ponte bizarra e que provavelmente não era a intenção do arquiteto parecer um clipe apocalíptico sobre a imbecilidade humana e o sofrimento que ela causa.

Paramos para descansar, no fim da ponte, em uma pracinha. Ficamos ponderando se alguém ia pensar em estragar a paisagem para potencialmente salvar vidas, no Brasil, por um lado...



... ou se, por outro lado, as paisagens brasileiras é que, sendo de fato e indiscutivelmente mais bonitas, deviam ser valorizadas de uma forma diferente: refletindo uma outra forma de ver o mundo em que desilgualdades profundas já nos machucam por demais os olhos e a alma.



Como não chegamos a nenhuma conclusão definitiva sobre nada disso, continuamos a caminhar pela cidade.

Chegando no bairro grego, visitamos um café charmoso e muito hype (percepção da Joanna) ou "ah, whatever, outro café indie-veggie-sem-comida-de-verdade" (percepção do Gabriel).

Eu tinha lido no jornal sobre esse café, que foi aberto no mais autêntico espírito 'arregace as mangas e faça você mesmo', tão presente por essas bandas: uma menina da minha idade, música e pintora, provavelmente percebendo que o mundo é um lugar muito menos justo do que a gente gostaria que fosse e que infelizmente música e pintura não servem para pagar as contas, resolveu pegar um monte de coisas, valores e habilidades que ela tinha em casa e fazer disso um espaço para pessoas que tivessem os mesmos interesses. Daí, ela usou o que aprendeu com o pai carpinteiro e com a sua experiência de música e de vegetariana e montou o café-lanchonete. Sozinha. Absolutamente tudo é feito por lá - até o pão dos sanduíches. E ela cozinha mesmo - conta com a ajuda de um garçon, só.

(fim da empolgação nerd da Joanna)

Meu irmão não ficou impressionado com nada disso. Quando eu contei essa história pra ele, tentando convencê-lo a ir comigo, ele só disse: "vegetariano? Ok, mas eu vou precisar comer de novo, pouco depois que a gente sair de lá."

Como vcs podem perceber, meu irmão é um pragmático no que eu sou idealista. A ironia é que eu fui fazer direito e ele, ciências sociais. Mas tudo bem, sempre se consegue reverter as coisas para o eixo do destino: saí da faculdade de direito uma desadvogada militante e aspirante a acadêmica; meu irmão está saindo da faculdade interessado em responsabilidade social de empresas e administração.

Eu sou do tipo de pessoa que passa a vida pensando em coisas como ética, inclusão e direitos humanos, que acena para a câmera e sorri mesmo por baixo do cachecol...



... e meu irmão é o tipo de pessoa que passa a vida pensando em como gastar melhor o dinheiro no bolso, comendo mais por menos por exemplo, e enquanto isso se distrai e pisca na hora de tirar a foto:



Ainda assim, temos lá nossas coisas em comum. Gostamos de ler jornal, de caminhar pela cidade, de debater e de contar piadas. Mas definitivamente um dos mais importantes aspectos em comum é gostar de uma boa macarronada italiana: massa al dente com um molho no capricho.



Mariana aproveitou a oportunidade apresentada para compartilhar com o meu irmão momentos de entusiasmo pela música sertaneja brasileira.



Confesso que precisei fazer um esforço, mas a democracia é assim mesmo: `as vezes a gente precisa engolir uns sapos!

No dia seguinte resolvemos que muito melhor que engolir sapo era ir comer um brunch bem gostoso - brunch é um café da manhã generoso e comido mais tarde, quase na hora do almoço.




Theresa, nossa canadense favorita, resolveu nos brindar com a sua companhia. Meu irmão, sempre um pragmático, achou desnecessário esse lance do povo do hemisfério norte de chamar a coisa toda por outro nome só porque se come mais tarde. Percebam alguns detalhes: o nome do lugar, "Aunties and Uncles", no menu elegantemente portado pela Theresa; o olhar blasé do meu irmão; o "suco" de laranja que se bebe por essas bandas, na falta de laranjas frescas; a decoração largada-de-propósito-para-parecer-uma-casa-de-tia-de-verdade do lugar; e, finalmente, o tamanho do meu copo de café com leite, isso sim um aspecto cultural a ser exportado para todo o mundo!

Com a barriga devidamente cheia, fomos ao Kensington Market. O tal mercado é na verdade um área boêmio-artístico-alternativa da cidade, de alguns quarteirões, encrustrada numa vizinhança de lojas e restaurantes orientais. Algo como uma Santa Teresa em Toronto.

A primeira parada para fotos foi num café deveras peculiar para olhos cariocas, acostumados com BOPE e Comando Vermelho:



O uso da maconha não é formalmente legalizado no Canadá, mas é amplamente tolerado pela sociedade. Cortes de Ontário (a província onde fica Toronto e a capital Ottawa) têm declarado que as leis que criminalizam o uso da substância não devem produzir efeitos. Em outras províncias, há casos de pessoas presas e processadas sob essas leis, mas ainda assim de forma geral se tolera o uso.

Isso posto, como um de nós viu penitenciárias cariocas o suficiente para ter fortes posições políticas contra a menor possibilidade de financiar a indústria do tráfico + total desinteresse em ficar calma e parada (eu, claro) e o outro também não se interessa pelo assunto por mais tempo do que o necessário para tirar uma foto engraçada (meu irmão, lógico), continuamos a dar a nossa volta antropológica.

Por falar em BOPE, passamos por cartazes fazendo campanhas contra o porte de armas de fogo - as condições do porte são bastante restritas no Canadá, se comparadas com o seu vizinho ao sul...



... e há participação ativa dos cidadãos na segurança pública:



Igualzinho ao Rio.

Aliás, por falar na sociedade fluminense, olhem só o que achamos num mercado-de-pulgas:



(homenagem ao meu pai, mas com um beijo campeão da Taça Guanabara)

Outra diferença entre o Brasil e o Canadá em que tropeçamos em nossas andanças foi o respeito a questões ligadas a gênero e orientação sexual. Abaixo, cartazes de um prédio da Universidade de Toronto pelo qual passamos ao sair do mercado já devidamente carregados de sacolas. (O número de sacolas cheias no final de um passeio com a família, por outro lado, é comprovadamente uma constante em todos os lugares do planeta.)





Outras diferenças que percebemos na foto abaixo, tirada pelo meu irmão: (i) a temperatura, (ii) a movimentação nas ruas e praças no fim da tarde e (iii) o estado de conservação dos monumentos públicos.



No dia seguinte, fomos ao bairro italiano. Constatamos que há coisas semelhantes entre o Rio e Toronto: algumas vizinhanças são todas uma mesma Madureira global. Casas meio capengas, pessoas colocando a cabeça pra fora da janela do carro para berrar palavrões aos pedestres, pizzarias furrecas em cada esquina, bares que te dão medo de entrar por conta do ambiente caserna-de-cais-de-porto, lojas com vitrines tristes e empoeiradas habitadas por melancólicas manequins antigas vestindo roupas que parecem mais antigas ainda... e bom humor:



Aviso na porta de um sebo: "cachorros são bem-vindos nessa loja*!
Por favor, mantenha-os na coleira.
*Se seu cachorro comer um livro, você vai precisar comprá-lo. :) "


Com essa amostra de bom humor, paro aqui por hoje.

Um beijo a todos, em especial ao meu irmão querido - que neste momento está numa poltrona da Air Canada, voltando para o calor carioca. Saudade já, guri.

P.s.: Estamos agasalhados e alimentados, mãe. E sim, tomamos vitamina C. Aviso: Nenhum filho seu ficou doente para a produção desse post.

This page is powered by Blogger. Isn't yours?