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sexta-feira, abril 28, 2006

Ultimo Pretérito, Primeira Pessoa 

Tudo e tanto. É muito, é demais, eu nada. Transbordo.

Tudo vem, passa direto, porque é muito. Demais, fica nada. Bóio.

A força das coisas que não ficam cansa o que tinha ficado. Nado.

O que vem me vai. Eu não vou. A ponta dos dedos esfola. Cedo.

Afinal, já é tarde. Anoiteço.

Amanhã, sempre o mesmo diferente.

quarta-feira, abril 26, 2006

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Reta. Uma reta. Como assim uma reta? Reta não existe.

Eu acho que uma reta é um círculo.

Porque uma reta, segundo nossos olhos e mesmo segundo nossa capacidade de imaginação, não é uma reta. Não é, é um pedaço arbitrário de uma reta.

E o único jeito de fazer um segmento de reta que seja uma reta é fazendo um círculo. Porque aí a gente gira o círculo até ficar de lado e tudo coincidir em uma reta. Em uma “reta”.

Por-tan-to, reta não existe, se você admitir que existe isso que se chama de reta. Reta é círculo.

E quem gostar de contraste que fique com ele.

segunda-feira, abril 24, 2006

Novas Condições Normais de Temperatura e Pressão 

Âncoras castanhas me puxam para a direção certa. Sempre, não me importa se esteja afundando ou me deixando subir pelos ares, como naqueles pesadelos. Se me vem um segundo de lucidez, eu lembro de buscar ajuda nas âncoras castanhas.

Âncoras. Ânforas, bem podem ser ânforas, também, quando transbordam um mel escuro, cheirando a eucalipto, um mel entre a lágrima e o sangue. Um mel que escorre e entra meus poros adentro até fechar a minha garganta. Eu, em desespero, choro uma agonia de não saber lidar com tanta felicidade.

E tantas coisas que eu queria saber dizer. Mas não sei. Não sei mais. As palavras já não me reconhecem, passam direto por mim e não me cumprimentam. Não consigo mais escrever nada que não seja eco: receita e letra de música.

Vejo filmes tristes e a beleza cinza já não me tem em seu colo. Há calor, agora. Há um novo lar para mim e esse é morno. Eu nunca soube que era para ser assim: morno. Morno, forte, envolvente. Como mel na temperatura da pele.

As brumas que me eram anéis se foram. Não consigo me acostumar com a cor nos dedos. Quentes. Eu nunca soube que eram para ser assim: avermelhados e quentes. Precisos e sutis, como gotas de mel marcando a partitura.

Meu sangue já não me parece com alguma coisa estranha, que não deveria estar em mim. Já não fico olhando para as minhas veias, já não fico sentada ouvindo minhas têmporas pulsando depois de subir correndo as escadas. Meu sangue já não me parece tão ralo, nem com aquele vermelho de veludo. É escuro. É castanho. É da cor dos meus olhos.

Minha voz recente me parece sufocada e manca. Olho por cima dos olhos e me vejo gritando, tentando ser ouvida, estando eu mesma surda. As pessoas ao redor: não é que não me ouviam e por isso não entendiam. Ouviam gritos desafinados. Surda estava eu. Tímpanos secos, que meu sangue ralo e vermelho de veludo não banhava meus ouvidos por dentro para ouvir o que eu gritava, escutado de fora.

Acho que perdi a mão. Não sei lidar com mãos quentes, pulsantes, em cor. Até ontem, escrever era de brumas. Idéias frias sobem mais rápido, não sei lidar com o peso de um sangue escuro e que escorra tão devagar que empurra.

Trago no peito âncoras castanhas. Acho que já não sei me perder.

segunda-feira, abril 17, 2006

Comentários De Enfermeira 

O sujeito entra na clínica para fazer um exame. Senta na sala de espera, pega a senha, olha o numerozinho, suspira, senta, espera.

Espera, espera, espera. A garrafinha de café dá aquele espirro de ar, sem café. O sujeito suspira e recoloca o copinho na pilha. Espera.

Toca o bipe, é o número antes do dele. Ansiedade. Se o sujeito fumasse, fumaria agora.

Bipe. É agora. Entrega os documentos. Entra na salinha. Senta na cadeira que tem um apoio para o braço. A enfermeira veste as luvas, mostra a agulha ainda no pacotinho, aplica o garrote, passa álcool. Antes de aplicar o corante, ela diz:

"O senhor vai sentir um gostinho amargo na boca e um calor nos órgãos genitais, ok?"

sexta-feira, abril 07, 2006

Ainda não 

Entro na sala.

Duas metades. Metades são duas, sempre, ainda que formem o um. Ainda que não sejam tão metades. As partes da sala não se misturavam: óleo e água. As pessoas entram e escorrem naturalmente para o seu lugar. Natural. Sem atrito, sem resistência, macio.

As proporções das metades se alteram de acordo com o momento. As pessoas ondulam, leve ou violentamente, explícita ou quase imperceptivelmente. Há cabeças veementemente cobertas, há cabeças observantemente descobertas. Há pluralidade e unidade. Vozes individuais, em uníssono. A beleza dos paradoxos mais uma vez me vem sem me tocar.

Há luz e voz. Há escuridão e sussurro. Há velas e lágrimas. Há lugar para quase tudo. Há quase tudo.

Ainda não. Ainda não era ali o meu. Beleza havia e parte de mim estava em casa ali, como nunca esteve antes. Mas só parte. Só uma parte. Ainda não.

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