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quinta-feira, dezembro 29, 2005

Trincheiras em Beliche 

Sem alerta, sem presságios, sem profecias. Sem derrubar algum índice econômico, sem aumentar o preço da soja, sem dar pistas no céu, nem no barômetro velho da sala de estar.

Assim me chegou esse novo ser que ando sendo. Revolução paulatina. Silenciosa, sibilante. Zero na escala richter.

Um dia, me atiraram outra dessas pedras que as pessoas nos atiram, vida afora, ou que a vida nos espirra, pessoas adentro. A pedra me veio de surpresa e me bateu na cara. Na hora, olhei para o lado e lá estava ela: a minha paz. Sorriu para mim e eu não tive nenhuma outra opção senão levantar do chão e bater o pó da roupa.

Levantei e sabia um monte de coisas que eu nunca soube. Assim, de repente. Como se eu tivesse usando uma parte secreta de mim para me dar uma outra parte de mim de presente. Dizem que as mulheres funcionam em ciclos de sete anos. Ao menos nesse momento, de onde estou e para onde olho, me parece muitíssimo coerente.

Levantei da pedrada, massageei o rosto e olhei para os dedos. Tinha meu rosto engravurado no meu sangue sobre a minha mão. Olhei para as trincheiras ao redor. Milhares de trincheiras, umas sobre as outras, trincheiras em camadas, trincheiras em beliche. Procurei a bandeira que combinasse com a pedra, encontrei o par de olhos autores confessos no escuro.

Eu sou todos eles. Não sou? Eu sou.

Com o dedo puxei as curvas que enegreciam e morriam, já, em sangue na palma da minha mão. E do meu rosto saltaram os olhos que me apedrejaram. Abri as mãos e lhe mostrei o seu rosto no meu sangue. Ele levantou-se da trincheira, hesitante, para olhar mais de perto. Tomou da minha mão, inspecionou, coçou a cabeça por baixo do capacete e terminou por me olhar.

Nos olhos. Olhou para dentro dos meus olhos. Estalamos os lacres.

Abriu as mãos. Na poeira que vinha da trincheira, nas suas mãos calejadas e grandes de soldado, estava desenhada a minha mão, manchada com o rosto dele, feito do meu sangue, vindo da pedra que a mão dele atirou, enquanto continha a minha no verso.

Lembrei de todas as pedradas que eu dei, de todos os rostos que eu abri, tudo ao mesmo tempo, as milhares de pedras, os milhares de rostos, todos juntos. Olhei para o lado e lá estava a minha paz. Sorriu e um arrepio me subiu pelas costas. Entendi.

Eu tinha morrido. Não tinha? Eu tinha.

Como é linda, ela, essa minha paz que só agora eu encontrei e enxerguei. De repente, tudo mudou ligeiramente e o mais completamente. De repente, qualquer coisa é possível e vem com um orçamento. De repente, toda dor é relativa e vem com data de validade. De repente, toda segurança é flutuante e vem com taxa de juros.

De repente, a vida faz tanto sentido, tanto, ao mesmo tempo, resumida em regras tão simples e banais quanto duas cores de peça em um tabuleiro, e expansível em possibilidades tão incontáveis que mal cabem em ordem de grandeza. Assim, de repente, alguma coisa esbarra de leve em alguma outra coisa, que esbarra em duas outras que eu li, que esbarram em quatro que me ensinaram na escola, que esbarram em oito que vi da janela, que esbarram em dezesseis que trouxe nos genes e assim progressivamente. De repente. De repente, o universo entra em colapso, por dentro dos meus olhos.

E eu sou todos os eles. Não sou? Somos.

E a minha paz, tão linda que não tem como nem haver algum gameta do meu medo que resista; tão absurdamente linda do meu lado, com aquele sorriso e a mão nas minhas costas, tão absurdamente linda que não tem como haver algum gameta do meu ódio que sobreviva; tão enlouquecedoramente linda que não tem mais como haver a minha fecundação belicosa em máquina de guerra. Não mais. Meu nunca, agora.

Eu sou todos eles. Tudo pára para girar e só girar, um tantinho. O calor nas minhas costas alinha todas as curvas e entorta tudo por linhas retas. Meu nosso, deles.

Eu tinha morrido. Não tinha? Eu tinha.

quarta-feira, dezembro 28, 2005

Desfaça teus nós e nós, um. 

אחד

A você que ainda não partiu, um olá com gosto de adeus. Gosto de remédio, gosto amargo que a gente consente em engolir, mas não deixa de nos amargar um tantinho por dentro, só por causa disso.

Quando receberes o meu olá, já terá ele se transformado totalmente em um adeus, de qualquer forma. Que quando o leres, o meu presente será teu passado e as coisas do mundo terão mudado um pouco mais. Nesse caso, um pouco-muito.

Uma dessas coisas terrivelmente lindas da vida: de serem sempre tudo ao mesmo tempo, até quando são uma só. De ser lagarta-e-borboleta, sempre, até quando a gente chama de "Lagarta" ou de "Borboleta"; de ser presente-e-futuro, tudo junto, agora e aí, enquanto escrevo e enquanto lês; de se ser criança-e-velho, e vivo-e-morto. Echad.

De serem minhas palavras olá-e-adeus. De ser essa minha vontade quase mal contida de chorar, de saudade de quem ainda nem partiu, assim tão feliz-e-triste.

Quando estiveres indo, vou um tantinho contigo. Um pedacinho das pessoas fica-e-vai, quando alguém se despede, sabe? Acho que deve ter uma sala em todo aeroporto e em toda rodoviária, uma sala bonita-e-triste quase como um começo de cemitério, uma salinha secreta onde se guardam os pedaços que quem fica deixa e quem vai não leva.

Escrevo assim de peito aberto, ainda que o mundo tenha já me ensinado que não vale a pena abrir a boca quase nunca, que dirá o peito. Mas tem momentos em que a dor já não cabe em si e a gente precisa mesmo de uma dor maior ainda, que venha aliviar a de antes.

É que andam me partindo demais, essas pessoas todas que têm partido. Perdoa se quebro aqui, mas há que se quebrar em algum momento, ou não se permanece nunca de pé.

Em algum livro budista perdido na minha memória mal arrumada, de aluna desesperada por alguma resposta que não me soe tão simplista, desumana e desrespeitosamente pequena, lembro de ter lido um raciocínio que dizia algo como: um voto ou pensamento qualquer, e talvez até qualquer sentimento, (quem vai saber do sentir?), para ser verdadeiro, tem que ser um tanto paradoxal. Pois bem.

Que não me venham cansar a paciência e a inteligência com argumentos de tempo e espaço. É bem verdade que nos conhecemos há pouco tempo. E provavelmente seja também bem verdade que nos conheçamos pouco. Entretanto, conhecimentos de muito tempo ido, do primeiro Buda ou do segundo Templo, assim com um certo judeu da nossa era, nos ensinam há tanto tempo da relatividade das coisas que me parece estupidez da mais rotunda pretender que classificações, pesos e medidas não sejam mais que relativamente absolutos. Afinal, qualquer macaco sabe que dois quilos são dois quilos em qualquer lugar por pura conveniência. Dois quilos para mim não são dois quilos para você, não são dois quilos para um esquilo, como não são dois quilos para um gorila.

Por isso tudo, é bem verdade que é pouco. É pouco tempo, é pouco vento. Mas também é verdade que toda verdade mente no exato momento em que se pretende verdadeira.

Deixem que meu pouco seja muito, porque já o é, quer deixem, quer não o queiram.

Portanto, amiga que ainda nem foi, mas que já deixou vazio: sinto, sim, já, tremenda falta. Como sinto muito pouca falta de tanta gente que passou muito tempo, tempo demais, ao meu lado, sinto sem razão o peito apertado por ti e por quem estará em breve do teu lado, aí, assim como está também aqui do teu lado, na falta, aqui.

Que tem pessoas que se olha nos olhos e o tempo atravessa.

E o que é amizade, no sentido mais estrito, senão dobrar o espaço-tempo? Habilidade inconsciente e quase que randômica de origami com os papéis de Newton.

Segundo os budistas, então, faço meus votos, tanto mais verdadeiros quanto se souberem incompletos e tortos: vai, fica, volta. Que voltes o mais rápido que puderes, mas que fiques o máximo possível por aí; que aprendas mais sobre o que fazes e que aprendas mais sobre o que te faz; que conheças outros lares e que reconheça o que faz do teu, o teu; que te vás, ainda que me deixes sem voz, que fiques, ainda que assim por longe te finques e que voltes, se fores feliz de dar a volta em si.

Não vou pedir para voltares. Não vou chorar demais se ficares. Só sejas feliz. Faça-me esse favor, e tudo estará o mais próximo do que melhor quanto puder ser.

Tudo o que parte deixa rachaduras. Posto então que me racho de qualquer forma, que te também te raches de tanta alegria, para valer a pena. Que seja tudo tão bom que nem te caiba por dentro. Que aches tantas coisas maravilhosas pelo caminho que tenhas que escolher quais vais levar nos bolsos. Que encontres tantas pessoas maravilhosas pela vida afora que tenhas que crescer ainda mais rápido para acolher as que não te couberem no peito.

Por onde fores, guarda um grão de areia para lembrares de mim.

Até quando for, se for, como for. Até sempre, ainda que nunca. Que, de verdade, eu aqui, tu aí, nós um: echad.

J.

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Ar Cúbico 

VAZ, Julia e PONTO, Jota. Parágrafos sobre paralelepípedos. 2005)

Acordei com o peso do mundo me comprimindo o peito e me quebrando para dentro. Tinha sonhado, de novo, com as partes de mim que eu não posso deixar respirar.

Os cacos de vidro que me perfuravam eram meus: minha pele de vidro, minha casca endurecida pelas trovoadas que me acordaram e me tiraram as cobertas quentes.

Descoberta e fria, agora. Eu era um negativo de gente, um corante qualquer de cirurgia, um contraste com a chuva morna de pedaços de mim que me escorriam pelas costas quando eu prendia a respiração para entrar no mundo, novamente. Todos os dias. Respirar fundo, prender tudo dentro e entrar mundo afora.

Entrar mundo afora era como estar dentro do mar às vezes. Um monte de ar lá fora, mas eu era um submarino com todo ar dentro de mim guardado para me preservar enquanto todo o ar lá fora não era ar, era água. Sufoquei com o oxigênio que guardei. Engasguei com o que inalei de sobra para não perder o fôlego.

E assim eu afundava, todas as manhãs, para fora de mim, na crença que me vinha como algas ao redor de que meu ar era só bolha efêmera em um mundo onde o meio era sempre tão líquido. Que meu sangue era sempre tão escorregadio em um mundo em que o fim era sempre tão sólido.

O que corria dentro de mim era mesmo vermelho e o que eu sangrava lá fora se desfazia em fumaça e nunca voltava para dentro de mim. Sangrava para você e você inalava a minha fumaça como se fosse a única droga que você já tinha experimentado, mesmo sabendo que eu não tinha o que você precisava. Tinha sonhado, de novo, com a parte de mim que você inalou e que eu não pude respirar.

Porque nós ainda não tínhamos como saber, já que nem sabíamos que éramos um, mas todas as coisas que você me trazia me esvaziavam um pouco de cada vez. E todas as coisas que você levava embora, todos os pedaços de mim que eu te dei em garantia de mim mesma, me preenchiam até me romper. Mas me rompiam. Sempre, enfim, me rompiam. Porque eu nunca aprendi a ser sólida como se deve ser para conter mais alguém por dentro.

Era sempre assim que você, se aproveitando da fragilidade com que componho minhas partes, me invadia sem avisar, soprava meu peito para me aliviar da falta de ar - um sopro doce, quase tão denso quanto meu sangue - me preenchendo por uns segundos, e depois ia embora e me dizia umas palavras de longe que quase nunca faziam sentido para me compor de novo. Era sempre assim que eu me deixava ser invadida pelo seu sopro, como se ele fosse a única droga que eu já tinha experimentado. Mesmo sabendo que o vazio que você me deixava depois me partia em pedaços tão pequenos.

Porque era sempre assim, eu sabia, mas não havia o que se pudesse fazer. Os goles de você, tão doces que me diluíam a salmoura e a vertigem que eu dei de ser por dentro, eu engolia com sede irresponsável de quem precisa demais de alívio para se preocupar com juízo. Não era bom, no fim das contas, era um outro estado de coisas, era estúpido e ilusório, era infantil, era tudo o que só um nada pode ser. Mas era o tudo que me cabia, era algo que me vinha certo e me partia por linhas tortas. Que os seus dedos me desfiavam de qualquer jeito, quer viessem, quer ficassem, quer não viessem, quer nunca mesmo fossem.

O alívio momentâneo desses goles era maior que qualquer tempo futuro e que qualquer imaginação ou expectativa já sabida. O meu saber não me fez prudente. O meu desejo de te ter por inteiro dentro da minha pele de vidro me fez ignorante da nossa condição irreversível. Eu tinha perdido o fôlego para te dar mais fôlego. E as minhas reservas eram tão infinitas quanto o presente para nós dois.

Era tudo muito plano quando se olhava para frente e muito alto para olhar para trás. Mas o mundo mandava a conta pela manhã e eu pagava o preço da descompressão de mim em nós dois. Assim, de manhã em manhã, me tornei um decimal, alguma coisa menos que um inteiro, esperando pela próxima fração de segundo em que você voltasse a me subir nos ombros para que eu pudesse me sustentar nas minhas pernas.

Os seres todos mudavam de estado, o tempo todo. Eu sabia. Você ameaçava saber, mas voltava correndo. No fim da noite, vinha sempre outra manhã. No fim de nós, vinha sempre algo menor do que eu. Você nunca viu, ou fingia não ver. Eu sim, fingia e sabia, que eu não tinha direito de pedir para você ficar, precisando como eu precisava da sua felicidade. Não precisava dela para mim, não precisava dela em mim. Precisava dela onde fosse. Que amor eu acho que é sempre um jogo de tabuleiro entre o mais perto e o mais alto.

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Registro De Falta (Mortos Sem Fantasma) 

Por favor, acuda, seu delegado. Estou um tanto desesperada, então perdoe se atropelo as palavras ou se me escapole o sentido. Mas, veja o senhor, é caso de emergência: sumiu uma pessoa.

Sumiu, mas não tenho lá muita certeza de qual seria a competente autoridade para lidar com o caso. Poderia ser um médico, um médium, um policial, um analista. Poderia ser até, quem sabe, o dono de algum alambique.

O caso é que já não sei a quem recorrer, então escute e me acuda, por favor, doutor delegado. É que sumiu, assim, de repente... sumiu-se uma menina.

Sumiu uma menina, seu delegado: não sei se fugiu ou se foi roubada, porque não sei se anda sujeita ou predicada, ou sujeitada, ou prejudicada. Não sei se cansou do mundo ou se foi cansada: só se foi, talvez cansada, talvez caçada.

Ultimamente, andava um tanto por demais calada. Não reclamava, veja bem, não gritava, não esperneava, nem isso: não nada. E era uma menininha tão feliz, o senhor precisava ver! Um dia, no entanto, fez-se de súbito tanto silêncio que ninguém pôde suportar ou entender.

A bem da verdade, é importante dizer, o silencioso terremoto não foi assim tão súbito. Veio só felino e sorrateiro, mais devagar do que se costuma ver, mais devagar do que corações humanos podem captar. Veio devagar assim, então não é que tenha vindo exatamente de sopetão, mas é que a surpresa é análoga. É daquelas surpresas do irrecorrível, do golpe invencível. Como chegar em casa com um presente nas mãos e dar de cara com o passado. É chegar de viagem, achar que se abriu a porta de casa e se ver em um buraco entre casas alheias. É estender a mão para se apoiar no apoio de todos os dias, cair de cara no chão e doer mais que o tombo, e mais ainda que o susto, a traição.

Os tremores de terra vieram macios e muitos, por isso ninguém notou as coisas mudando lentamente, imperceptivelmente, de lugar. As coisas foram mudando gradativamente de lugar, devagar como escorregar para a morte e não deixar fantasma.

O senhor sabe, doutor, se pode transformar um vazio em um espaço, um espaço em um buraco e um buraco em um lugar. Mas acontece que o contrário também se pode; o que ocorre é que o contrário geralmente faz com que o próprio sujeito se pode.

Pois então, acontece que de grão em grão, não se nota, até tarde demais, o tamanho do roubado. E assim, seu delegado, se foi a menina. Sumiu a menininha, não sei como, não faço idéia de para onde e nem do porquê. Se foi e só, como morte de gente só: só se nota a falta quando já não há mais tempo de dor, ou mesmo quem queira anotar.

domingo, dezembro 18, 2005

Foto Sépia De Uma Revista Sobre Tipografia Em Língua Escandinava, Inscrita Em Braile, Do Avesso 

Quando olho para ele, assim tão pequeno, por vezes me foge o pensamento. Foge, para quase sempre me tocar o ombro, algum tempo depois.

Acabou de nascer e me deixaram vê-lo, mas não me deixaram tocá-lo. A minha maternidade me rasgando em duas, correndo em sentidos opostos e me puxando pelas mãos. Da primeira vez que o vi, não sei quanto tempo se passou, porque quando dei por mim, já era tarde. Fui embora, mas era já incapaz de não olhar para trás. Fiquei um pouco lá. Acho que me dei um tanto de alimento, naquele dia.

Imagino o que ele deve estar pensando, o que deve estar sentindo, nesse mundo tão imenso para olhinhos e coraçãozinho tão pequeninos. Imagino que não tenha a menor condição nem de imaginar o que ele sente, agora. Imagino que o que lhe dizem seus sentidos devam lhe parecer algo como uma foto sépia de uma revista sobre tipografia em língua escandinava, inscrita em braile, do avesso.

Ainda nada tem nome, ainda nenhum adjetivo. Talvez nem mesmo cor. Ainda nada é símbolo de nada, ainda nada se conjuga, ainda nada o faz concordar, ou discordar, ainda nada faz parte de algum conjunto, que se ligue a outros conjuntos para formar algum sistema. As coisas nem coisas são, acho que tudo é verbo to be, sem nem conjugar o he-she-it. Nem livro sobre nada, nem mesa para estar sobre.

Penso que a coisa que agora mais lhe interessa, daqui a pouco não será mais nem uma coisa, propriamente dita: seus próprios dedinhos. Passa horas a olhá-los e a lambê-los. Acredito que ainda não tenha compreendido que os pode controlar. E talvez toda essa graça extraordinária de observar os próprios dedos passe no exato momento em que se descobre que os podemos controlar.

Ou assim pensamos, de qualquer forma.

De resto, gosta muitíssimo de dormir. Parece muito entretido com as questões de dormir, espreguiçar-se, achar uma outra posição que seja mais confortável e, então, lógico, voltar a dormir. Acho que só chora para alimentar-se porque se irrita com o fato de que precisa acordar para fazê-lo, o que, desse ponto de vista, não se pode negar ser um fato aborrecidíssimo. Compreendo perfeitamente, dado que já que passo o dia todo a observá-lo, ser obrigada por meu próprio corpo a fazer pausas para comer, dormir ou ir trabalhar também me parece o fim da picada.

Daqui a pouco aprende a andar, sobe nas quatro patinhas e sai para o quintal para ver o que o mundo lhe diz. Sorrio em fingido aborrecimento ao imaginar as marcas das patinhas nos tapetes brancos da cozinha e vou encher de leite o pires da mamãe, que me olha agradecida, com aqueles olhos amanteigados que as mães têm; aquela feminilidade diversa, enorme, morna, lhe preenche agora os movimentos e a faz tão mais senhora de si e me faz correr um arrepio pela espinha, que me dá essa impressão de que, de repente, ela sabe coisas que eu nem mesmo sou capaz de imaginar.

(Em homenagem a Bê, Nevasto, Tabajara, Com Coleira e Sem Coleira, as “crianças” mais lindas do mundo, como diz sua “avó”, e à mamãe Lora)

quinta-feira, dezembro 15, 2005

De Volta Contando O Tempo Que Falta Para Começar A Contar O Tempo De Volta 

Violinos vinham de dentro, fazendo vibrar o mundo todo, levissimamente, quase que imperceptivelmente. A coluna tremia sob meus dedos, assim como o chão sob meus pés. Um zumbido fino e muito agudo, que eu sentia entre os olhos, era o sintoma de tudo se perdendo, de tudo saindo do lugar.

As portas eram enormes e feitas de vidro. Um tipo cruel e escuro de substância vítrea, quase como os teus olhos, que revela tão pouco do outro lado a quem está observando, pouco importando se para tal me refiro a mim ou a ti. As enormes portas te engoliram, ainda partindo, com aquele sorriso de estátua e aquele aceno de galho de árvore sob chuva. Meus olhos encontraram um lugar estrategicamente neutro para se fincar, enquanto não cessavam os violinos.

Depois que as portas te engoliram, pus as mãos nos bolsos e virei de costas. Hesitei alguns instantes, tentando me acostumar ao tremor do solo. Fui olhando para a ponta dos sapatos, que nunca tinham me chamado tanta atenção. Me contaram uma história curta, ou duas, enquanto caminhava rumo à saída. Mas acabaram por se deixar vencer e se calaram.

Foi só um tempo depois que notei que tinha caminhado, todo aquele tempo, na direção oposta a que devia ter caminhado para encontrar a saída. Existem desses lugares, como certas ilhas, prisões e aeroportos, e também algumas pessoas, de que só é possível sair voando.

Não quis ficar para te ver levar minha saída embora. Já a tinhas levado, de qualquer forma. Que ficasse a prisão, mas ao menos que fosse minha. Que ao menos eu aprendesse a andar sobre chãos trêmulos, a me apoiar em colunas instáveis, a desviar olhares para dentro. Que ao menos eu aprendesse a caminhar contra o vento, para não deixar rastro e a chorar contra o tempo, para me firmar algum lastro.

As portas que pareciam os teus olhos, amaldiçoadas sejam, porque deixaram meu coração te seguir. Os olhos que pareciam portas, benditos sejam, porque me fizeram abandonar o nada para segui-los. Ficou-me agora essa parte de mim, aprendendo a dominar a falta de chão que é ser o que se é.

Ouvindo o barulho que prenuncia o silêncio, aceno com a cabeça, em respeito, e me abro a porta do táxi.

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Velejando Meus Pedaços Mortos 

(BELLOTTI, Márcia e PONTO, Jota; sexo sobre texto. 2005)

O ritmo é esse: sempre sem mudança. O tempo vem com aquela marcação claudicante de pneu rolando vazio, sem... pre... sem... pre... sem... pre...

Mudanças granulares no meu pensar: cinza, amarelo, vermelho. Clic, clic, clic.

Vermelho sangue, vermelho quente, fumegando e morno, vermelho morto do que já fui eu: menstruação que me faz sangrar, me faz singrada por pedaços mortos de mim que velejam meu corpo afora.

De repente, tudo podia ser a minha jugular, qualquer pequena veia, um cateter, um capilar, pontes de safena, pedaços de porcos que usam para remendar as partes de mim que eu quero arrebentar.

Minha pequena jugular.... Espero por sua mordida, espero seus dentes se enterrando devagar e brutalmente na minha carne, até arrebentar a jugular junto com as fibras e tendões do meu pescoço: me arrebenta, me rasga, me faz um esporro profundo, pela parede afora. Que suje com sangue toda essa brancura imunda de parede. Que liberte um esporro de mim, em sangue, meu sangue, sangue que já não é meu e que talvez nunca tenha sido mesmo. Talvez o sangue só seja sangue quando deixa de ser de alguém.

Se não houvesse câmeras pelo mundo, quem seria você? Quem é você, quando se tira todo esse medo, todo esse óleo queimado e venenoso que encharca cada um dos seus movimentos? Quem é você, quando vê que não se lhe podem ver? Que nome você assina quando ninguém pode ler?

E se não houvesse mais ninguém? O que você faria com isso que você faz de mim, se não houvesse mais alguém? O que você faria com essa chave que você carrega no pescoço, ostentando brilho novo em metal velho? O que você faria, além desse seu quase-fazer, além desse quase-poder, além dessa sua imbecilidade de quase-ser?

Foda-se, mil vezes vá se foder! Cansei de me enlouquecer por você, cansei desse jogo de querer só o que não se pode ter, cansei dessa minha doença de me morder para ter o que comer.

Não quero pensar em mais nada... Chega. Parei, puxei o freio de mão, passei a tranca e desci de mim. Do not disturb.

Divagações para a casa do caralho. Que vá tudo para a casa do caralho.

Quando a saudade bate na minha cara, quando a saudade me corta o ventre com as unhas vermelhas, tingidas com tudo o que roubou de mim, quando ela me soca a nuca e me deixa quase sem suportar a náusea, não importa quem esteve ao lado, só a saudade diz o seu nome. Ela vem, me arrebenta, me corta, me mói, me rasga as pontas e me amassa as bordas, esmigalha o que me for sólido, estraçalha o que me move, arrebenta o que me amarra. Quando a saudade me bate na cara, ela sorri e diz o seu nome.

Saudade do seu corpo, beijo, abraço. Saudade do morno sempre justo. Saudade do repuxo no meu baricentro, me colocando de pé, lembrando que eu nem sempre estive de joelhos.

Que diz, baixinho no meu ouvido, sussurrado, entrecortado, lutando contra o próprio fôlego, contra todo fetiche do esquecimento: te quero, por favor, me queira também. Por favor, porra, olha para mim, vem para cá, vem mais para perto, mais, mais, merda, ai, que merda, me entra poros adentro!

Diz de novo. Diz pra mim. Eu sei, mas diz. Diz de novo, me diz do velho, diz o que eu já sei, mas não consigo parar, quero que você diga de novo para mim. Diz. Diz mais perto, que eu ainda não estou satisfeita. Ainda falta, diz mais uma vez no meu ouvido...

Diga em voz bem alta para todos ouvirem. Para eu não esquecer... Em hipótese alguma. Publique nos jornais, que eu quero recortar e guardar em uma pasta. Para ter certeza quando vier a noite e eu morar sozinha.
E nem mesmo no meu ultimo gole do drinque da noite, enquanto espero que o gelo do whisky derreta: não, não haverá ninguém fora você. O gelo derrete, minha jugular pulsa. Não haverá mais ninguém.

Pois não há. Mas de platonismo já tive meus 14 anos.

Dê 24. De 24 quero sua verdade. Venha, minta sinceramente: diga do que te irrompe agora. Diga do que te dobra o corpo ao meio em espasmos de dor essa noite; diga do que você tenta sufocar com seus músculos em todos esses espasmos, todos esses exatos momentos espasmados; diga e jure que é para sempre, que é toda hora. 24 por dia.

terça-feira, dezembro 06, 2005

Indo de Volta, Velha de Novo 

Acordei com aquela esmagadora raiva mansa, mais uma vez. Aquele ódio fininho, quase imperceptível a olho nu, que se estende além da vista. Acordei beirando a linha de alguma coisa. Não sei se passei do ponto, que perdi a linha que cozia o ponto, que cheguei ao ponto em que o sol cozinha carnes sem cor, que a cor da carne se tira pelo sangue.

Fui abrindo a minha boca para sentir o metal que vibra no gosto de sangue. Fui saindo pelos limites. Fui gradativamente perdendo a capacidade de enxergá-los e de reconhecê-los como alguma coisa. Fui aprendendo a ignorância, passando por cima de pessoas que dormiam com a cara no chão imundo, todos os dias. Fui lendo os obituários e habituei-me.

Acordei e olhei para os meus joelhos. Estava ainda de joelhos, embora tivesse acabado de ser só correntes elétricas correndo por trilhos mais ou menos aleatoriamente colocados. Pus-me de pé, estava aos pés de mim, eu estava aos pés do mundo e o mundo estava ao pé da letra. Odiava tudo. Compreendia tanto, de tal forma, com tal familiaridade, as odiosidades todas, que acabou que eu era tudo. Pensei se estava tornando-me uma psicopata ou uma sociopata. Depois, pensei que pensar nisso era sinal de que estava mesmo me tornando um dos dois. Depois, pensei se pensar sobre o que pensava não seria mesmo a única maneira de não ser nenhum dos dois.

Terminei sem solução. Sem saída, terminei o pensamento com um ponto. Pseudo-fim, ponto. Parágrafo, pára-choque, parapeito. Odiava e não sabia nada, então acabava sem sentido além do sentido, em si. Odiava tantas coisas que não sabia nem onde começava a odiar, nem onde eu terminava; não sabia de onde vinha o ódio, nem onde eu acabaria parando.

Se acabasse, acabaria parando. Se não acabasse, não pararia. Segui vestindo as meias, que enxergava a falta de inteiras, mas não conseguia nadar. Se começasse, acabaria pirando.

Tinha ódio de tudo e via tudo em mim. Via amostras de todas as coisas mais horríveis, mais nojentas, mais abomináveis, do mundo e dos homens, havia um pouco de todos os horrores em mim. Odiava como o filete que me corria por dentro da boca: cruel, oculto, calmo. Era, sobretudo, calmo. Tudo era estúpido, as genialidades clicavam na minha cabeça como um treze preto na roleta. Pessoas passavam e não conseguia estar à sua altura. Estava longe, estava fria, estava borbulhando de ódio sem sinais de fumaça.

Odiava mais o fato de odiar tanto. Sabia que odiar era sinal da enorme pequeneza que se fazia presente em cada célula do meu corpo, então não havia saída senão odiar. Sabia que não queria, mas sempre queria não saber. O sangue vibrava na minha língua, querendo tanto achar a cura que se tornava doença, querendo tanto não se ver insano que perdia de vista aquelas finíssimas linhas brancas que mudavam tanto de lugar. O sangue tem esse gosto de metal e eu engolia, era quente, mas esfriava. Lembrava os remendos de metal em todos os meus cantos que gosto de sangue é de metal, mas orgânico.

O sangue era quente, mas acalmava a parte de mim que não podia se acalmar. A parte do meio, entre a pele, armadura fervida, e o miolo, armas duras ferventes. Era morno, na verdade. Sangue é morno, mesmo morto. Morno naquela temperatura de ser sempre a melhor resposta, não importa a pergunta. Morno como o corpo que se ama, morno sob o sol, morno no vento frio, morno na chuva, morno no chão. Morno quando entra, como um corpo cheio de sangue. Morno que só serve se vem de fora, que não se sente se pulsa por dentro, como um corpo cheio de sangue.

Odiava além do mais o fato de que precisava desesperadamente amar alguma coisa qualquer para me distrair do meu ódio. Passando pela rua, vi uma enorme lagarta verde, caída de uma árvore. Abaixei-me para ela, embora não tivesse vontade de me abaixar para ninguém. Estava estranha e a peguei nas mãos. Passou alguém e estranhou a minha parada brusca para pegar um enorme inseto verde nas mãos. Não vi seu rosto, mas o jeito como se hesita pode dizer tudo. Por vezes, os pés dizem toda a verdade. Não me importei. Eu já era uma coisa além da linha, eu já pegava lagartas com as mãos. Não ia me importar com olhares agora.

Era enorme. Olhei para as pequenas calosidades laranjas e pensei que podiam ter me queimado. Pensei que nem havia cogitado isso antes de pegá-la. Pensei no porquê disso ser relevante. Pensei que relevos eram importantes, para destacar do plano. Pensei que seria muito difícil ficar sem relevâncias, mas achei ainda mais difícil escolher quem escolheria. A lagarta tinha um grande bolo de terra colado perto da extremidade traseira, no seu lado direito. Fiquei considerando a razão de estar no chão, de estar se movendo assim, como se sentisse dor. Tentei levá-la a uma folha, mas não teve forças de se prender e caiu. Novamente. Dessa vez, não caí junto com ela, como antes, mas de alguma forma, isso mudou tudo.

Olhei para ela, de volta ao canteiro, entre os meus pés. Considerei pisá-la e me enojei comigo mesma. Logo em seguida, pensei se não considerar pisá-la, nunca, não seria um tanto como pisá-la sem considerar nada. Achei que não sabia o suficiente sobre a lagarta para decidir sobre a sua morte, mas decidi que deveria saber mais sobre matar e o que seria, afinal, suficiente.

Andei mais um tanto sob o sol. Meu sangue, o bebi sem sede, para tentar não morrer de alguma sede que eu tinha. Agora, digeria o sangue para repor o sangue que agora me faltava. Poucas coisas devem me doer mais que as pessoas e o sol é definitivamente uma delas. O calor me fazia vermelha e vazia. Não podia sequer começar um pensamento qualquer. Cessei até mesmo de odiar e quanto o notei, decidi continuar sob o sol, para me dar algum tempo para digerir o meu sangue com ódio, sem ódio.

Quase fui atropelada, porque não considerava nada. Com tudo o que eu era, contudo, o que eu era quase se tornou uma poça de sangue do lado de fora, sem chegar a nenhum lado de dentro. Sangue sem sentido, nem do lado de dentro, nem indo para algum outro dentro. Não conseguia ser nada que eu merecesse, sob o sol, mas ao menos não odiava. Pensei que teria uma morte estúpida, se tivesse sido atropelada. Pensei em que serviriam todas as coisas que aprendi, se tivesse sido atropelada. Lembrei que não se aprende nada que sirva, justo porque não se aprende para servir, que quando se aprende não se serve.

Esturricada, a camisa colava nas costas e o suor escorria pelas pernas, até serem recolhidos entre as meias e a calça, eu esperneava agonizante e lentamente dentro da minha cabeça, como a lagarta. A lagarta enorme e verde do meu ódio fino e calmo agonizava sob o sol que eu usava para parar de sentir ódio. Os goles de sangue que eu engoli acalmaram o que não podia ficar inerte o suficiente para que voltasse a pulsar.

Sentei no jardim do enorme prédio por alguns momentos antes de entrar. Precisava encontrar alguma das linhas brancas finíssimas, que estava prestes a encontrar gente e precisava reaprender a mimetizar a sua língua sem sinais de sotaques que me denunciassem estrangeira. Resfriei aos poucos, que meu corpo não sabe suar direito. É um tanto incompetente na arte de lidar com o sol. Quando resfrio, resfrio principalmente por sob os cabelos, como os cães resfriam com a língua. Não voltei a pensar na lagarta, então não sabia se ela não estava lá, àquela época, ou se somente não mais a notei. Achei engraçado ter pensado sobre isso, agora que pensei sobre isso.

Sou o que odeio. Sou tudo o que odeio. Não sei, mas sinto. Morro de ser um saco de sangue que não sabe, mas sente, que não tem para onde se despejar e não tem quem se lhe despeje, que odeia tanto amar tanto tudo o que ama odiar e ama tanto odiar tanto tudo o que odeia amar.

Eu ainda amo um corpo que não tem nome. Ainda amo um corpo que não existe fora dos circuitos mais menos aleatoriamente construídos em que corre a corrente elétrica que, mais ou menos aleatoriamente, chamei de mim. Amo, ainda.

Anda odeio uma infinidade de pequenas partes de tudo, tão pequenas e tão onipresentes que acabam não sendo nada. Odeio, ainda.

Sentada na sombra, refrescando do remédio que me fiz no que penso para ferver a minha doença nascida e nutrida no que sinto, pensei mais uma vez se estaria me tornando uma psicopata ou uma sociopata. Ou se não me tornar nenhum dos dois não seria acabar me tornando uma assassina. Talvez, uma suicida, se não odiasse a mim a ponto de não me considerar nem mesmo digna de me partir em duas.

Ich bin alles, den ich hasse.

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Parapeito 

Estou de pé em um parapeito, sem saber. Minha atual atividade é estar sem saber.

Sem saber se dar um passo à frente seria um passo para trás. Nem se saltar seria cair. Ou se cair seria dar, finalmente, um passo à frente.

Parapeitos. Lugares tão borda, tão fronteira-com-alfândega-guarda-checagem-de-documentos-e-cancela da vida. Não cabem interseções: ou se sai, ou se volta. Definitivamente. Sem meios termos. Não se chega a um parapeito e volta, impunemente, a ser o que se era. Linha dupla, amarela e contínua entre uma coisa e outra, totalmente outra: parapeito. Até na planta ele vem e corta uma dimensão que nem existe.

Meus olhos passeiam devagar pelo outro chão, aquele onde meus pés também não pertencem. Ou, talvez, sem que eu saiba ainda, onde pertençam agora. As pessoas caminham lá no outro chão e seus olhos não passeiam: vão retos para a frente, diretos e direitos, certos e curtos, firmes e fortes. São pequenas e simples, as pessoas do chão que não o meu. Até mesmo o maior de seus problemas e o maior dos seus sonhos são pequenos demais para se enxergar, daqui de mim. Não sei enxergar assim, daqui de mim, as placas do chão que não é meu.

Uma pausa e parapeito. Um estado de coisas diferente. Só faz sentido a um certo tipo de gente, eu acho, um parapeito. Essa ação de, de repente, pausar para tentar tirar um sentido ao que passou e se convencer a dar uma chance ao que virá.

Como um filme. Existem pessoas que precisam desesperadamente chegar ao fim do filme e compreender toda a trama. Seguem firmes até os créditos e não reagem bem a interrupções. Acho que a maioria das pessoas é assim. Já passei por fases dessa ansiedade de acreditar que toda pausa é uma perda de tempo, tempo em que se podia estar caminhando mais adiante, até ver o fim, ver o quadro todo, ver o sentido da história.

Mas existe um tipo de pessoa que gosta das pausas. Ando assim, gostando de pausas, precisando delas, ansiando por elas, até. Sentei no parapeito para apreciar o momento de indefinição.

Sentei no parapeito, sem saber. Lembrei do papel com um nome no meu bolso e pus a mão de sobre o tecido, de leve. Olhei para a frente, como se houvesse algum horizonte além da fachada que se erguia à minha frente.

Não sabia nada, não sentia nada, não ia para lugar nenhum, não queria ver nada. Nada além de pausa. Sentada, só sentada, em suspensão: pausa. Estava no parapeito e não sabia, estou no parapeito e não sei. Minha atual atividade é não saber.

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