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sábado, outubro 10, 2009

Simplesmente ainda 

Eu poderia dizer que meu coração já tinha sido quebrado antes. E seria verdade.

Eu poderia dizer que cada pedaço do meu corpo tinha a mais absoluta certeza de que aquela dor era a pior dor de toda a existência humana.

E seria verdade.

Eu poderia dizer que havia uma voz no fundo da minha cabeça, como um farol de sensatez, sussurando: “a tempestade vai passar”. E seria verdade.

Eu poderia dizer que a tempestade crescia e engolia toda e qualquer luz, tão absolutamente e por tanto tempo, que chegava ao ponto de eu esquecer como era acreditar que existia luz alguma.

E seria verdade.

Eu poderia dizer que não me arrependia de absolutamente nada. E seria verdade.

Eu poderia dizer que às vezes desmoronava na cama e me arrependia amargamente daquela última conversa – que tudo o que eu queria era ter tido a força e a nobreza de receber o balaço em silêncio, em vez de ter me prostrado no chão e implorado por clemência.

E isso seria a mais pura verdade.

Eu poderia dizer que, com o passar dos dias, percebi que ainda respirava, que ainda comia e que progressivamente voltei a dormir. E seria verdade.

Eu poderia também dizer que a respiração era automática e mecânica, que nenhuma comida tinha gosto, que eu dormia para fugir – dormia sem sonhar -; que eu ficava me perguntando se algum dia eu ia realmente querer fazer alguma coisa, novamente, em vez de só fazer o que me parecia que pessoas normais iriam querer fazer.

E isso seria, de fato, verdade.

Eu poderia repetir para mim mesma que te ver, depois de tudo, foi bom. Muito bom. E seria verdade.

Eu poderia lembrar a mim mesma, sadicamente, que depois chorei três quadras a pé e mais sabe-se lá quantas dentro do ônibus, quando você entrou no táxi pra ir na direção oposta.

E seria verdade.

Eu poderia dizer que o resto de dignidade que sobrou em mim me impediu de afundar o meu futuro junto com o nosso barco. E seria verdade.

E poderia também dizer que, às vezes, alguma lembrança esgueirava-se por entre as barreiras de racional-burocracia e eu ia chorar no banheiro do restaurante quando alguém mencionava Monstros S.A.

E poderia dizer que qualquer mancha de molho shoyo era um teste Roschard enlouquecedoramente são e diabolicamente preciso, me fazendo ver imediatamente o teu rosto, rindo até perder o fôlego na beira da lagoa, da minha piada idiota sobre a vida ironicamente guaraná-guarani das senhorinhas do Leblon.

E que eu aprendi a tocar aquela música que você me mandou, só para ver se, repetindo e repetindo e repetindo, um dia aquilo ia passar a fazer sentido.

E seria tudo a mais pura verdade.

Eu poderia lembrar que, como eu sempre disse, te preferia feliz do que comigo. E seria verdade.

E eu poderia dizer que a passagem do tempo parou quando você foi embora. E seria verdade.

Eu poderia dizer que sou mais forte. Eu poderia dizer que só tenho mais medo. E ambas as proclamações seriam igualmente verdadeiras.

Eu poderia dizer que alguma coisa enorme fissurou de cima a baixo, naquele minuto em que você levantou-se pra ir e eu caí de joelhos pra ficar. E seria verdade.

Eu poderia dizer que passei dias e noites esmigalhando todas as folhas dessa árvore, para ver se ela morria e eu conseguia alguma coisa melhor que a minha mera sobrevivência. E seria verdade.

Eu poderia dizer também que, quando ela não morreu, eu escondi o galhinho verde por baixo do meu sorriso naquele jantar, que eu tinha decidido pelo menos continuar de pé, que morrer dolorosamente de pé sempre foi melhor que viver rastejando. E sem dúvida seria verdade.

Eu podia gritar a plenos pulmões na frente do altar do nosso primeiro beijo que eu tinha realmente tido a intenção mais completa e a certeza mais absoluta quando eu disse que não era possível existir nada comparável àquilo na vida. E, meu amor, meu grande amor, seria verdade.

Eu poderia dizer que todos os dias eu repetia na frente do espelho que eu também podia simplesmente continuar e remar com toda a força rio abaixo, esperando me tornar uma outra pessoa, esperando me curar de quem eu fui, esperando encontrar outra chance, esperando que a vida me desse cartas melhores desta vez.

E, meu amor, tudo isso seria verdade.

Como podem tantas verdades vivas e juntas ao mesmo tempo não se transformarem num monte de ilusões doentias e mentiras mortas?

Não sei.

Simplesmente ainda fazia sentido.

Por baixo dos escombros, simplesmente ainda estava vivo.

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