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sábado, março 24, 2007

Ticking Away 

Você alguma vez já sentiu como se estivesse desperdiçando a sua vida? Como se estivesse dormindo demais, não no sentido cafeínico-anfetamínico, de ter que trabalhar mais e dormir menos, mas quando você acorda e pensa que está dormindo só para fugir de alguma coisa?

De repente você olha pela janela e tem aquele sujeito totalmente diferente de você, com aqueles mesmos exatos sintomas, e você se preocupa em envelhecer e se tornar aquele sujeito. Devagar, imperceptivelmente, quase confortavelmente.

Como se uma força puxasse você para um lugar que você não quer realmente ir, mas você passa a vida acolchoando a viagem?

Você acorda sozinho, um dia. É quase inescapável, de um jeito ou de outro, você vai acordar sozinho um dia. Pode ser porque você passou tanto tempo com outra pessoa que o dois virou o seu um, então quando acontece o dois menos um, seu um fica parecendo só meio. Pode ser porque seu um era um grande um, cheio de peças, pedaços, equipamentos, satélites e apêndices, mas um dia, alguma coisa falha, o bolo sola e o o grande um fica parecendo um pequeno menos-que-um.

Então, você acorda sozinho. Mais uma vez. É a mesma coisa que já aconteceu outras vezes, de uma forma relativa. Não é exatamente a mesma coisa, mas é exatamente a mesma coisa. E aquela serpente mordendo o rabo, que você sempre quis tatuar, coça sua ausência na sua pele. Você olha para a pele em branco e não tem como evitar de se sentir muito, muito triste.

O consolo da rotina torna-se a coisa menos consoladora do universo. Você senta na sala, dá uma olhada nas manchetes, mas tudo parece tão estranho. Tudo parece ficção, parece que faltam tantas coisas que o horizonte só pode ser cenário. Larga o jornal, e a angústia vai inchando na garganta. Procura um cd para ouvir, encontra um daquela banda antiga que você ouvia o tempo todo, mas o seu respectivo ser humano de mais ou menos longa data não gosta muito.

Você põe o cd arranhado para tocar e ele te arranha. Tem algo de ameno em ser arranhado novamente onde a pele começou a crescer sossegada como capim. Você perambula pela casa, come ou não come, dependendo de várias coisas, chora ou não chora, dependendo de mais coisas ainda. É inevitável. Você está reduzido à sua adolescência novamente e faz o que fazem adolescentes: liga para alguém, buscando companhia para não ter que ficar se sentindo tão mal sozinho.

Se o horóscopo ajuda, as pessoas vão ter suas próprias almofadas para comprar e você estará obrigado a ficar preso consigo mesmo. Você pensa em sair, mas você desaprendeu a andar sozinho, especialmente se você for uma mulher – mulheres aprendem bastante cedo a terem medo de andar sozinhas em um mundo de homens. Aí, tem a dor de ficar e o medo da dor que pode vir, e você não fazendo nada, só dói mais a dor de precisar sair do mesmo lugar.

Você já sabe até onde tem mais poeira, que lado é melhor para botar a roupa para secar, a hora em que os vizinhos terminam de ver novela e você pode dormir sossegado, mas de repente toda essa certeza, toda essa paz, tudo o que você batalhou tanto para ter, tudo isso está te matando.
Isso sem falar de sexo e amor, companhia e relacionamento, sábado e domingo, filhos e arte, paz e guerra.

O ying-yang na sua parede parece ter virado cambalhota e toda a força que você fez para crescer subitamente se volta contra você, ação e reação, reação e passividade, e seu passado é chupado pelo vácuo da ausência de futuro.

O jornal, novamente. Houve uma época em que você discutia as manchetes, a política, tentava entender que diabos os economistas estavam dizendo, tinha um colunista preferido e um que você amava odiar, mandava cartas inflamadas pedindo menos parcialidade, mais precisão, menos só-opinião e mais construção. O jornal de repente continuou o mesmo, mas o jeito como você passou a lê-lo te irrita o bastante para você jogá-lo no canto. Sai da minha frente, coisa velha com etiqueta de nova.

Você e o jornal. Quem você está enganando, você está com raiva de si mesmo e está projetando em um pedaço de papel, diz alguma parte do seu cérebro que você acha que deve ser o super-ego, ou alguma coisa super do tipo, muito melhor do que você o tempo todo, como um irmão de quem seus pais gostam mais.

O cd acabou, você pensa em quantas vezes devia ter ouvido aquele cd para não ficar com essa sensação de que nunca devia ter parado de ouvir essas coisas. Mas depois você lembra que isso é parte do que deve ser, assim mesmo, deixar de ouvir para querer ouvir, ainda, no futuro. Cds não mudam, mas ouvidos sim, é preciso deixar a massa do encéfalo crescer, às vezes, antes de voltar a assar do modo como costumava fazer.

Você abre e fecha as suas mãos. Olha atentamente para a marca preta sob a unha do polegar que o cachorro maluco do sujeito amigo daquela sua amiga fez. De repente, a bolha de sangue velho sob a sua unha te parece uma coisa absolutamente extraordinária e você pensa que é muito estúpido de sentir raiva de machucados. Procura no braço e lá estão eles, apagados mas presentes: a marca da catapora, a cicatriz do tombo de cima do pé de jamelão da casa da sua avó, a marca do ferro de passar quando você ia para aquele encontro que você ainda não sabia que ia ser horrível, o corte mal cicatrizado no seu dedo do dente do sujeito que estava batendo no seu irmão.

Todos aqueles seus pedaços que, se espalhando pelo mundo, fizeram de você algo que você tinha esquecido que era, um negócio qualquer preso no lado escuro da lua. Esse troço que todo mundo convencionou chamar por um nome só, para dar mais trabalho, que você se acostumou a chamar de ‘eu’, embora tenha sempre tido toda certeza de que esse eu não significava lá muita coisa, era meio como uma linha tracejada, uma previsão meteorológica.

Você levanta para sair, decididamente. Alguma coisa tem que ser feita. Você não sabe o que, mas sabe que é agora. O telefone toca. Alguém retornando sua ligação. Você pondera girar no anti-horário ou acertar o relógio. Eclipse.

Você bate a porta, lembrando daquele beijo que você deu em um dia de eclipse. A coisa mais estúpida e irresponsável que uma pessoa poderia fazer, mas ao mesmo tempo uma sensação absolutamente maravilhosa. Meio rindo, meio suspirando, você guarda a chave no bolso e sai assoviando o solo de guitarra que você nem lembrava que sabia de cor.

sábado, março 03, 2007

To Freudida... 

Tirei um brevíssimo cochilo de 10 minutos essa tarde de sábado, para descansar entre uma parte e outra de uma tradução infindável. Perceba o nível de insanidade a que essa que lhe fala é capaz de galgar, em dez minutos contados no despertador:

1) Comecei imaginando uma casinha bem bonitinha onde eu morava. Eu morava com mais pessoas e elas tinham acabado de colocar redes nas janelas. Acontece que, mesmo assim, havia uns três pernilongos na sala onde se jogava Perfil. Uma das pessoas, um tanto quanto irritada, levanta-se e inspeciona todas as redes, achando apenas uma pequena abertura na janela ao lado da porta da cozinha. Nisso, outra resmunga que não é possível, como que 3 mosquitos entraram por um buraquinho? Alguém devia ter deixado a porta aberta. E prosseguiu-se para um interrogatório e jogo de acusações tal que mais parecia que se estava jogando Detetive.

Eu cansei de esperar a minha vez para dizer que a vocalista do Bikini Kill era a Kathleen Hanna e bufei: deixem de ser ridículas, pessoas sem rosto nem gênero definido do meu desleixado sonho. O deslocamento do ar força as portas e janelas, já que a casa cria barreiras entre pressões diferentes, fazendo da aberturinha e da porta aberta por um instante para alguém passar um funil de vento que arrasta mui facilmente 3 pernilongos desavisados. Nisso, acho que as personagens encarnaram meu superego porque tive a impressão que iam me bater, de forma que tive que mudar de canal na TV morfeu.

2) Intervalo para o devaneio comercial. O que ficou da matrix anterior foi a imagem da rede furada, o que me fez imaginar um besouro bem sádico cortando a rede anti-insetos. Isso me levou a imaginar o que aconteceria se houvesse bichos que comessem plástico, como cupins comem madeira e fãs de beisebol comem cachorro quente. Corta o devaneio-comercial.

3) Pois bem, não sei se já citei aqui, mas o meu emprego estilo apanhador-no-campo-de-centeio seria ser assopradora de vidro. Isso posto, em associação com as necessidades ecológicas de uma nova era, estava o meu eu onírico lendo jornal quando me deparo com uma manchete dizendo que na Rússia (?!?) tinham desenvolvido uma bactéria geneticamente modificada que digeria plástico. O problema era que ela tinha que ser isolada em uma usina distante de processamento de plástico, para evitar que elas devorassem os chips dos Ipods russos, por exemplo. Aliás, os empregados russos usavam roupas de couro abóbora, o que me pareceu o ponto alto dessas usinas.

Assim, levantei os olhos do jornal e me perguntei por que não simplesmente moer todo o plástico, se não ia dar no mesmo.

Aparentemente, eu tinha muito tempo livre nessa minha vida alternativa, já que usava o forno a lenha da minha casinha para fazer arte. Me levantei, enfiei umas garrafas pet no liquidificador (para mais coisas legais de se moer, vejam a série de vídeos “will it blend?”: http://www.youtube.com/watch?v=B8H29jU8Wrs), peguei a serragem plástica e enfiei numa forma dentro do forno. Quando derreteu, pensei: hum, o que posso colocar dentro desse troço derretido para fazer um tijolo interessante?

Depois de afastar a hipótese, mais complexa, de enfiar ali dentro um mosquito que mordeu um dinossauro, resolvi enfiar uma barra de chocolate. O que trouxe um outro problema teórico: será que a parte descoberta da barra iria derreter quando tocasse o plástico líquido, manchando tudo e inviabilizando minha idéia original de souvenir intertemporal? Concluí que sim e resolvi o problema trocando a barra de chocolate ao leite por uma barra de chocolate amargo(?!?).

Isso talvez porque eu tenha sido recentemente convertida à idéia de que se pode ter o mesmo efeito serotônico com muito menos açúcar ao comer chocolate meio amargo. Vai saber.

quinta-feira, março 01, 2007

Nem todo 1 é 2, mas todo 2 é 1 

Pode ser que vocês sejam como eu e já tenha desdenhado do velho Fróid por causa daquela história de supremacia do orgasmo vaginal sobre o clitoriano. Mas, pode ser que vocês sejam mais ainda como eu e hoje em dia se descubram mais e mais concordando com o velho Sr. objeto-fálico-na-boca-rocks.

O sexo está em tudo. É verdade. Não tem como escapar. Quando eu ainda não entendia direito contra quem eu andava lutando minhas batalhas existenciais, achava isso uma grandessíssima besteira. Um disparate, uma ofensa, até. Hoje em dia, eu abro a porta, Freud levanta o chapéu e eu peço pra ele apagar o charuto antes de entrar para o café.

Sexo e sangue. É isso que todo mundo quer. Você pode ter tido a sorte de ter sido humilhado, pisoteado e reprimido por tempo o suficiente para aprender a ver o mundo com a cabeça de cima, mas não adianta: nem todo mundo tem essa cabeça de cima, mas todo mundo tem a cabeça de baixo.

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