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domingo, maio 17, 2009

Etiqueta 

Eu queria mais etiqueta.

Pronto, falei.

Não estou falando de regras à mesa, do tipo, não segure isso com a mão direita. Sinceramente, a não ser que você consiga me dar uma explicação razoável (num lugar apertado, se você coloca o cotovelo na mesa, você tira espaço da pessoa ao lado) eu estou cagando para o que diz a tradição.

Não acho que tradição seja um modo razoável de resolver conflitos ou instituir regras. Então, eu simplesmente acho que se o fato de que eu seguro o garfo com a mão esquerda, ou direita, te irrita, então o problema está em você, não em mim. Estou ciente do risco de ser julgada por isso, muito obrigada, beijos.

Não é essa etiqueta.

Também não é outra etiqueta - etiqueta de gente. Do tipo, Tiago é flamenguista, portanto X. Por razões parecidas com as da outra etiqueta aí de cima, essa etiqueta me é estúpida. A não ser que a correlação seja válida (a Beatriz é brasileira, portanto provavelmente fala português), o resto é só conexão randômica.

Também não é essa etiqueta.

Tampouco estou falando de marca. Na verdade, eu tenho um certo nojo de pensar que uma calça valha muito mais que outra, sem oferecer nenhuma vantagem funcional a não ser um símbolo de status.

(Outro dia me dei conta que caí nessa quando comprei um moleskine. Fiquei com raiva dele. Fui guardar na gaveta, olhei a marca - era falsificado. Achei engraçado, agora gosto dele de novo. Mas vou voltar aos cadernos ostensivamente baratos. Eu gosto de coisas ostensivamente vagabundas. Tipo caneta bic.)

A etiqueta que eu queria era justo o oposto disso tudo. Era uma que me desse mais informação sobre as coisas. Uma que me permitisse ser mais um animal político, menos um gado de manobra.

Alguém lembra do tempo em que não precisavam listar valores nutricionais nas embalagens? Ou a simples lista de ingredientes? Lembram quando não era obrigado ter os preços das coisas nas vitrines?

Coitado de quem tinha alergia a glúten. E coitado de quem entrasse em sapataria.

Eu quero uma etiqueta maior. Uma etiqueta muito maior que as embalagens. Eu quero um chip de etiqueta.

Lembram da revolução que foi colocarem códigos de barra nas coisas?

Eu quero mais. Quero saber o que tem ali dentro. Estou cansada dessa coisa de não saber o que colocam na minha salsicha – e de aceitar que não me digam, claramente, o que estão colocando na minha salsicha!

(ou nas minhas leis)

Ao contrário do que pensava Churchill de mim, eu quero, sim, saber como se fazem as salsichas - e as leis.

Quero saber se tem ingredientes animais, por exemplo. Não sei se algum de vocês é vegetariano, mas acho que é claro para todo mundo que é absolutamente válido que alguém resolva ser vegetariano. Agora, sabia que tem toda uma lista de substâncias que não dá para saber de cara que são animais? Diz lá “coxonilha” ou “queratina”.

E tem mais uma lista imensa de coisas que podem ser retiradas tanto de um animal quanto de um vegetal. Resultado: eu não sei o que tem no meu biscoito. Se eu não sei, não posso escolher.

Outro exemplo: eu queria comprar uma bola de futebol para mim. Mas eu não queria comprar a minha bola, achar ela super bonita, pagar uma nota preta por ela e alimentar uma indústria em que tem um punhado de gente ficando com quase tudo, explorando pessoas na China ou em outro lugar onde não haja legislação trabalhista. E depois jogando o lixo tóxico em algum país sem leis ambientais.

Solução: eu pensei – vou achar uma com selo de “fair trade”! (isso significa “comércio justo”, em tradução livre. Eu nem sei a tradução desse conceito pra português, olha só... Vou procurar.)

Fui na loja. O cara me olhou com uma cara de póim. Expliquei. Nada. Ele nunca nem ouviu falar. Liguei para uma amiga – pós-graduação, interesses políticos, trilíngue, super informada, trabalha com esportes. Ela também não sabia.

Como eu vou comprar uma bola fair trade assim?

Procurei na internet. Só na Europa. Ou no Canadá. O resto do mundo, foda-se.

Também, a gente nem sabe o que é. De quem é a culpa, Foucault?

Então, eu tive um sonho. Aturem meu momento Martin Luther King, ok?

A gente vai no supermercado. Ou na loja da rua. As coisas têm etiquetas. Eu sei de onde veio, quem fez, o que usou para fazer.

Eu sei o que você está pensando – “guria, você está muito louca!!! Isso é uma infinidade de dados!”

Eu sei!

Mas eu quero.

Daí, podia ser que nem o Google. Ou melhor, a wiki com o google.

Alguém, muito muito muito rico, muito nerd ou muito sem nada pra fazer – ou os três – inventa um sistema de pesos e medidas. Por exemplo, se eu sou uma vegana que não se importa com fair trade, o aplicativo dá peso alto ao produto ser livre de produtos animais e ignora solenemente se foi feito na China.

E aí tem uma guria por aí que acha que o importante é usar produtos aprovados e testados pelo FDA, mas que não se importa se são de origem animal, vegetal, mineral ou se são feitos com cabelo de criancinhas raptadas. Pronto. Tem lá a escala dela.

E a Organização Mundial do Comércio podia ter o seu sistema de pontos. E a ONU. E o Gabriel, meu irmão, que acha importante incentivar o comércio interno brasileiro, come carne sem problemas, quer boicotar produtos do Irã, acha legal que a marca tenha responsabilidade ambiental, não se importa nem um pouco se o ganso sofreu para fazerem aquele fois gras, mas adoraria contribuir para o fim da exploração da mão de obra infantil.

E daí, a gente ia ter um aplicativo pra levar no celular. Que nem um google gadget.

E todo mundo ia poder dar palpite, nos fórums, que nem a wikipédia.

Imagina só se as coisas tivessem etiquetas. Eu vou num restaurante e o garçon me desrespeita. Eu só posso pedir pra falar com o gerente, fazer um escândalo, escrever pro jornal ou ignorar o fato.

Se o restaurante tem uma etiqueta, então tem um fórum público, uma evolução do "escrever pro jornal" – todo mundo vai saber que aquele garçon me desrespeitou. E que o gerente não fez nada. Ou que tinha uma barata na minha sopa. Ou então que aquele restaurante é o único da minha cidade que usa só queijo artesanal.

E as pessoas vão ter que responder pelas coisas. Principalmente, as pessoas jurídicas! Não ia ser muito lindo?

Se a companhia de metrô resolve que só vai vender a integração com o trem até uma certa hora, eu quero saber a razão. E tem que ser uma boa razão. E eu quero que as outras pessoas saibam que eu já reclamei disso – e não obtive resposta alguma.

Não ia ser incrível?

Ei, psiu! O que você acha?

Escreve aí embaixo, se quiser. Ia ser legal te ouvir, também, já no espírito desse post.

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