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terça-feira, julho 21, 2009

Aquelas 3 palavras – parte 1 

Houve uma época na vida em que eu comecei a duvidar de coisas majoritárias. Tudo o que fosse um consenso imediatamente atraía a minha dúvida automática.

Acho que isso aconteceu especialmente dos 15 aos 20. Sabem como é. Tudo começa quando você descobre que o Papai Noel não existe. Dependendo no nível de trauma gerado, você pode virar um adolescente daqueles que não acredita em nada que não resista a uma metralhação de perguntas – e mesmo se acreditasse, ia ser em São Tomé e só.

Nota: São Tomé é o cara que fez “Pfff!” quando contaram pra eles que Jesus de Nazaré tinha ressuscitado e só acreditou quando viu e tocou os estigmas. Eu não sei o porquê, mas todo mundo olha pra ele de rabo de olho até hoje. Eu acho o cara muito bom. Deve ser patrono dos acadêmicos, dos jornalistas hard-core double-check e dos pentelhos nerds rebeldes em geral.

Mas como eu ia dizendo, eu acho que sei exatinho o momento em que tudo começou. Eu lembro que eu tava no C.A., então eu tinha seis anos. (Sim, eu conto a vida pelos anos acadêmicos. Se eu lembro em que série eu estava, eu sei quantos anos eu tinha na época, se eu não lembro, então fico perdida. Nerd de berço, daqueles pirralhos que pentelham a mãe pra aprender a ler logo – a escola está demorando muito.)

Tinha um menino chamado Davi. Eu gostava dele, ele era inteligente – ou seja, a gente conversava de coisas legais, tipo dinossauros. Um dia, o Davi virou pra mim e disse: “pensa só: rena que voa. Rena não voa. Além disso, todos os papais noéis de shopping usam barba falsa. Eu já puxei a barba deles!”

Uma explosão de bomba. Rena não voa! Outra bomba estrondando reverberantemente. Papais Noéis, no plural. Bombardeio de Londres. Barba falsa!

Eu não sei o que doeu mais: a verdade, perceber que parte de mim desconfiava mas capitulava embaraçosamente a um sentimento reconfortante, ou o bico que eu dei na canela do Davi.

Fiquei muito puta. Como assim todo mundo mentia descaradamente e depois vinha querer me fazer acreditar que não podia mentir?

Anos mais tarde, foi a mesma coisa com santos e água benta. Eu me lembro que anotei num bloquinho todas as datas das minhas provas e deliberadamente não rezei na noite e na manhã anterior a metade delas. Claro que não fez a menor diferença. De novo, me senti ludibriada. Por que tinham me feito acreditar que coisas ruins acontecem com quem não reza, não agradece, não passa na blitz do karma-police e não acumula pontos no carnê do baú da divindade?

Comecei a ficar muito, muito chata. Muito mesmo.

Um professor substituto incrível e pronto, eu descobri que professores também falam um monte de besteiras às vezes. Um a um, todos os meus heróis morreram de overdose.
Quando eu entrei na faculdade, já tinha descoberto a esquerda burra de dar dó e os de direita que eram só boas e inocentes pessoas do Leblon. Um amigo meu – um gay então-em-negação, daqueles seres humanos que são irritantes de tão inteligentes, sabem disso, trapaceiam no debate e são tão lindos e tão cruéis quanto é possível ser – deu um tiro de misericórdia nas minhas camisas do Che Guevara. A faculdade de direito – e tudo o que faltava nela – terminaram com meu sonho quixotesco de ser uma Joana D’Arc no exército de uma justiça que ganha no final.

Aliás, por falar em Joana D’arc, eu adorava e odiava a mulher ao mesmo tempo. Falar francês, liderar um exército vestida de armadura, esculhambar os generais barbudos e acabar com a guerra dos 100 anos tendo só 17 – muito hype. Defender a monarquia e a igreja, ouvir santa falando, ficar naquela onda errada de ser virgem e deixar o pessoal a prender pra depois a queimar numa fogueira – muito idiota.

E assim foi até chegar no amor. Amor romântico, aquela coisa de se apaixonar loucamente tipo Romeu e Julieta, alma gêmea, casamento e patati patatá.

Eu tinha vergonha de admitir, mas eu gostava de Shakespeare. Afinal eu tinha me refugiado no Iluminismo e na razão desde que o Davi, o professor substituto de história e todo o resto tinham partido o meu crédulo coraçãozinho. Eu tinha que ser como um boxer do cérebro, eu decidi. Eu ia ficar socando as coisas com a minha cabeça e só acreditar no que fissurasse minhas objeções antes de ser fissurado. E ossos fissurados são o segredo do soco forte – logo, cabeça-dura e auto-masoquismo são as duas metades do combustível que me movia pra frente.

Eu odiava casamento. Ainda odeio, aliás, não me chama, não. Alma gêmea no singular me faz revirar os olhos. Amor à primeira vista pra mim era um horror – imagina só, você nem tem como se defender da decepção, cuja probabilidade é mais alta do que a da não-existência de um príncipe em cavalo branco morador da Tijuca.

Mas eu não estava exatamente pronta para abrir mão do se apaixonar loucamente tipo Romeu e Julieta. Ou tipo Giuseppe e Anita Garibaldi.

O problema com esse povo é que todo mundo morreu cedo. E eu queria uma coisa com uma taxa de mortalidade mais amena...

Daí, um belo dia, bum. Apaixonada. De assoviar pela rua e ficar acordada no ônibus pra São Paulo olhando para a lua. De escrever prosa e verso nos cantos dos cadernos.
Opa, que beleza! Era verdade! E era bom mesmo, como falavam.

E depois era ruim mesmo, pior do que falavam, quando meu coração calejado porém incuravelmente romântico-boboca (do tipo que chora com comercial do Criança Esperança) se partiu. Pois é. Meu coração é que nem o Popó.

E depois foi estranho, porque eu descobri que possessividade e ciúmes eram mais uma coisa culturalmente majoritária na qual eu não acreditava nem um pouco.
Daí, eu decidi que não ia nunca dizer eu te amo. Que isso era meio que o nome de Jeová - uma coisa que a gente está convencido que existe, mas não é pra ficar falando por aí. É feio. Estraga.

Tudo quanto é Zé Mané dizendo eu te amo por aí, a torto e a direito, banalizando a coisa mais incrível da existência, agora veja você, ora bolas! Nananinanão. Não, senhor!

E foi assim que uma proto-acadêmica, atéia-hardcore, nerd-pride, vegetariana-vegan-wannabe-porém-pobre, cético-esquerdista, zen-botafoguense e feminista-sex-positive resolveu que ia ser uma romântica ultra-ortodoxa: nada de monogamia normativa nem de dizer aquelas 3 palavras.

Porque aquele sentimento de estar loucamente-porém-sã apaixonada me parecia verdadeiramente religioso. E esse era o meu altar.

Se é que importa: fora isso, meus únicos outros momentos de religiosidade do tipo solitária eram, na época, Clarice Lispector e Pink Floyd. Já religiosidade no sentido de bonding com a humanidade próxima consistia em sorrisos silenciosos em conversas inteligentes, arrepios de filme bom no cinema e ouvir cd novo na casa de alguém de olhos fechados. Por fim, quando eu queria aquela religiosidade difusa banda-larga por satélite com cobertura global, eu ia dançar na Bunker, se fosse noite de sexta, ou divagar-escrever-rascunhar sentada no chão do CCBB com a minha camiseta quadriculada amarrada na cintura, se fosse dia.

(A Bunker, depois de passar por fases progressivamente mais e mais ridículas, como uma ex-miss que envelhece e se recusa a aceitar as conexões entre a gravidade e o tempo-espaço, agora é uma Lojas Americanas Express. Ufa. Rest in peace. Agora eu posso me concentrar nas minhas boas memórias em paz. Como dizia o outro, feliz de quem ainda consegue chorar seus fantasmas.)

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