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sexta-feira, abril 29, 2005

True Colours 

Eu estava sentadinha na escada, com o queixo apoiado nas mãos, os cotovelos apoiados nos joelhos. Puxa, tudo tão bacana, um dia daqueles de mostrar pros outros de tão algodão. Não teve uma das duas aulas na faculdade, matei a outra, tinha bolo quentinho na pia da cozinha, teve banho demorado de chuveiro e horas divagando deitada na cama, a toalha molhada lá do meu lado, que eu deixei ela dormir em cima da cama hoje. Meu gato estava com frio, então ficou miando pra eu tirar o monte de cadernos e livros que estavam em cima do meu tapete que é dele.

Reunião de amigos, aquelas reuniões açúcar mascavo: nem tem aquele gosto de adoçante estranho, de festa de gente velha que não pode mais, está fazendo dieta de festa, pseudo-festa, festa diet; nem aquele açúcar de confeiteiro, mega refinado, aquele açúcar que só de olhar você já fica agitado, tão fino que deve entrar por osmose... Então. Aquela festa açúcar mascavo. Pessoal feliz, batendo papo, cervejando os dedos e as camisas e o chão.

Desde que eu me lembro de mim como eu, eu sempre dou uma saidinha no meio das festas pra dar um pulinho na varanda. Geralmente tem um friinho tão gostoso, como um lenço azulzinho embebido em álcool que vem voando e faz carinho na sua nuca. Pois então: eu sentada na escada, a cabeça entre as mãos, olhando praquela quantidade promíscua de estrelas no céu.

Aparecem duas pessoas, de repente, brotando dos meus ombros e sentam do meu lado. Já viu como as pessoas parece que brotam dos seus ombros quando você está olhando pras estrelas?

Aparecem, cada uma com um copo na mão. Uma era frescura de seda, outro era calorzinho de lã. Até a barba dele dava uma impressão de quentinho, de ninho. Me enrosquei no braço dele, por cima do suéter azul marinho. Eu fiquei olhando por cima da caneca de café, tentando descobrir qual era o bicho bordado no peito do suéter. Por que é que suéter e blusa social tem sempre um bichinho bordado ali na altura do bolso do peito? Será que as mães conspiram para desenhar as camisas dos filhos até quando eles acham que não?

Ela, toda brisa, de blusa e calça, tudo branco. Ou aqueles tons perto do branco que têm nomes que não fazem o menor sentido, tipo gelo ou cáqui. Sentou na ponta do degrau e ficou meio jogada de lado.

De repente, os dois ficam olhando para mim, como se eu tivesse uma mancha de molho french na cara. O vento encarnado perguntou: “que diabos você está pensando? Está com uma cara de quem prendeu um vagalume na mão”.

Eu fiquei ali, um tempinho, hesitando, agarrada do calor. Daí, eu me soltei, enchi o peito de ar e pulei: “Já parou pra pensar em cor? Já parou pra pensar que o roxo pode ser rosa e o vermelho podia mesmo ser beige?”.

Porque, veja bem: eu estou vendo essa cor aqui, essa cor do céu. Eu vejo essa faixa de luz, que recebe o nome de “azul”. E daí eu digo que a blusa é azul, o sapato é azul, livro é azul. Mas e se outra pessoa, olhando pro céu, recebe uma luminosidade diferente, que pra mim tem a etiqueta de “roxo”, por exemplo? Daí, o nome do roxo ia ser azul pra ele, e ele, olhando pro mesmo sapato que eu achei que era azul, ia dizer que é azul, mas achando que é roxo. Olha só que perigo!

Isso tudo porque hoje eu estava no ponto de ônibus, vindo pra cá. Daí aparece uma senhora e pergunta pra um rapaz: “que ônibus eu pego para tal lugar?”. Ele responde que ela tinha que pegar um ônibus vermelho, número 422. Daí, passou o 422 e a velhinha nada. Passou outro e a velhinha nada. Então eu fui lá e perguntei: “a senhora não está esperando o 422? Esse aí é o 422!”. Ela responde, espantada: esse é o 422? Ah, eu não enxergo o número, mas isso aí não é vermelho nem aqui nem na China: é abóbora!!!”

Então. O cara não via a diferença entre o vermelho e o abóbora! Aliás, muito mais bacana isso de chamar a cor do nome de coisas: cor de laranja, de abóbora. Até cor de rosa, que é a cor mais mongolóide do mundo porque é a única cor que vem com logotipo, tem um nome inteligente.

Isso complica ainda mais a questão. Como eu vou saber se eu não vejo uma cor outra qualquer que eu nem sei o nome? Como é que alguém vai me explicar uma cor que eu não sei qual é e eu não sei o nome? Perdido para sempre, não tem jeito!

Depois que falei essas coisas, ficaram os dois olhando para o nada. Acho que eles não entenderam algumas das cores que eu quis contar e se perderam no meio do caminho do meio.

Também, que idéia idiota, querer falar do nome das cores.

quinta-feira, abril 28, 2005

Rien, de rien. 

Hoje eu estou com tanta vontade de não falar nada, de não fazer nada. Então, acho que isso é justamente vontade de não ter vontade nenhuma. Acontece que, também, pra conseguir não dizer nada eu tenho que fazer um monte de coisas, um monte de planos de esquivas e evasivas, cálculos de ambigüidades, projeções de esquinas e interseções... Tem que fazer tanta coisa pra não falar que acabo falando, da mesma forma que teria que falar tanta coisa pra não fazer nada que acabo fazendo. E cada palavra que eu sou obrigada a ceder sai rasgando, como uma violência, como um roubo, como um abuso. Raiva e resignação roubam meus restos de rejeição redonda.

E tenho esse sentimento estranho de querer uma coisa que eu nem sei o que é. Diferente de quando a gente quer comer alguma coisa e não consegue atinar com o nome da coisa que tem justamente aquele gosto para poder procurar. Se eu não sei o que é que eu preciso, como posso precisar? Acho que tudo isso é mentira, é desvio, é tapeação da gente pela gente mesmo. A gente quer descobrir alguma coisa de dentro e inventa que tem uma coisa por fora que a gente tem que procurar. Tipo deus.

Estou com essa vontade mesmo de deitar no sofá e aí chegar essa mãe imaginária, que tem só no meu devaneio. Daí, ela fica passando a mão no meu cabelo e não fala nada. Entende que não é pra falar nada, pra fazer nada, entender logo tudo junto, muito rápido, não ter insegurança nem culpa nem ansiedade.

Como aquele livro que a gente ama tanto, tanto, mas não tem coragem de dizer pra ninguém, nem pro analista, que as pessoas nunca vão entender e vão te olhar com aquela cara meio de lado. E vai te doer tanto não saber explicar pra ninguém, que fará pra todo mundo.

Então, deve ser por isso que eu queria mesmo era o seu sofá, mesmo que você não seja aquela mãe do devaneio. Mesmo que você vá, que eu sei, me perguntar com olhos, aflita, o que aconteceu, quando meus olhos desmoronarem na sua frente. Mesmo assim.

Deve ser mesmo por isso que eu resolvi pegar hoje o metrô na direção errada, mesmo tendo toneladas de coisas pra estudar, mesmo precisando tanto dormir. Ainda que eu tenha saído mais cedo e o trem da minha direção certa não esteja tão insuportavelmente cheio de gente que não cala a boca e fica suando e respirando muito alto.

Mesmo assim, eu quis ir pro outro lado. Talvez porque fosse um pouquinho mais na sua direção.

Deve ser também por isso que eu precisava só sentar do seu lado. Só sentar e ficar olhando pros pés. Porque ninguém notou que as minhas piadas são agressões e que meu humor é o que me sobra depois do sinal de igual das minhas noites.

Você faz uma cara tão bonitinha quando eu começo a filosofar que às vezes me pego ensaiando. O pior é que sei do ridículo, mas aceito o pagamento.

E deve ser bem por isso que eu adoro te espezinhar com perguntas sobre a morte, a culpa e o valor das coisas. E futuco você com latim e literatura e documentários. Nada de altruísta, nada de franciscano: eu gosto mesmo muito de ver aquele seu sorriso enigmático de quem está com dúvida. Aquela sua cara tão engraçada quando você está inventando alguma opinião nova, alguma teoria nova, barulhinho de modem e cheiro de gente preparando molho.

Deve ser também por isso que só você sabe sentar do meu lado e aceitar meu silêncio, tão anti-eu, engolindo tão bonitinha todas as milhares de coisas que aconteceram no seu trabalho e que eu sei que você podia passar horas me contando.

Descobri, veja só, que tantas das poucas pessoas que eu amo não existem. Descobri que tantas coisas que eu precisava nem existem, no fim das contas.

E aí, sabe o que acontece?
Olha só que estranho: a gente deixa de precisar. Inventa outra coisa pra precisar e coloca uma plaquinha no lugar, uma plaquinha de “não há” ou “tem, mas acabou”.

O café escorre pelas minhas bordas de dentro, rodando, aquele barulho metálico de água rodando na panela.

Deve ser por isso que eu não tenho comido nada. Eu mesma quis me internar quando recusei torta de limão. Nada, nada. Só água. E café. Isso não pode ser bom.

A gente nota que o olhar esvaziado não era impressão quando recusa as coisas que os normais normalmente não recusam: almoço, brigadeiro, carona, bate-papo na copa no meio do expediente. E aceita, aliviada, trabalho extra pra fazer em casa.

Deve ser por isso que quando estou assim, precisando fugir de todo mundo, só teu pensamento me acha. E você aparece na minha frente, de short e casaco, com aquele rabo de cavalo meio coque, todo torto, boceja e reclama que eu nunca fico pro café da manhã.

Hoje, eu podia ficar horas te ouvindo falar de todas as surpresas bonitas que só você sabe achar numas letras bobas da Joss Stone, de cada momento tão lindinho que você consegue achar nesses filmes tão Spielberg.

Hoje, eu cansei de todas aquelas pessoas que se treinaram para só falar do Godard, só porque é tão mais fácil gostar do Godard. Hoje eu queria aquele seu jeito de mostrar com as mãos o movimento das pessoas. Hoje, estou achando que genial mesmo é achar bonito no banal.

Hoje, eu queria isso mesmo: nada do que seja explicável por convenções e maquiagem. Deve ser por isso que eu precisava tanto de você, do meu lado, olhando pros pés, futucando as casquinhas do machucado e tirando o esmalte das unhas. Olhando para as mãos daquele jeito que você tem, como se suas mãos acaso fossem um trabalho feito às pressas, uma prova incompleta e pééééé! Acabou todo o tempo do mundo.

Deve ser por isso mesmo que eu me rasgo de felicidade quando você me escreve, toda cheia de dedos, perguntando se eu podia te ajudar com a monografia.

Hoje, eu dava qualquer coisa para sentar do teu lado e ficar em silêncio, lendo a tua monografia. E notar com o canto das olhos você de short, casaco e rabo-coque, futucando a casquinha do machucado e tirando o esmalte das unhas, suspirando e mordendo a pele da boca, como você tinha prometido que nunca mais ia fazer.

Deve ser por isso tudo que eu trocava todo o resto do tudo por isso aí tudo que eu acabei de falar.

sábado, abril 23, 2005

A Fight Always Lost 

Since the very begining of evething,
She would always hide into her room.
As a result, they all would follow,
But - So blind! - Always too soon!

In fact, loneliness never asks
For a name or a face or a mask
In the end, words are only words
Nothing else yet nothing less.

Nevertheless, outside her door
There was a face on the floor
And a fight against the silence
That had all-ways been lost.

No subject would be around
To witness the countdown
In the invisible watch
Of the invincible march!

But! In that corner of the world
There was this my Oyster-girl
And as she knited her pearls
She would sing to the No-one:

‘You see, a key plus a door is a click,
Just as beside you my knees are weak;
And when it was all so black and blue
The was no colour in me but you!’

The ironic silence would repeat:
‘A key plus a door is a click!’
While pearls ran under the door
To touch the tears under the sheats.

But the pearls would make no difference,
And the tear-touching would do no-thing,
There was nothing No-one could do to win:
That fight had been lost from the begining.

sexta-feira, abril 22, 2005

570 ml 

Deitei na minha cama, olhando pro teto. Uma dor impossível estava me furando o fundo da cabeça. Se eu tomasse mais uma aspirinazinha ia morrer de overdose, com certeza. Mas que diabo, a dor não passava! As lágrimas corriam soltas, mas eu não tinha para onde correr. Amaldiçoei todas as campanhas de desarmamento e agora acalentava sentimentos românticos para com o martelo de carne. Se bem que eu não sabia onde andava o martelo de carne. Pensando bem, meu cavalo de bronze serviria.
Depois do que devem ter sido horas, comecei a sentir meu crânio se contraindo. Não sei como, sentia-o mole, como que quebrado em mil lasquinhas articuladas que agora se esmeravam numa coreografia torturante. Minha cabeça doía tanto que eu responderia a qualquer pergunta com a mais absoluta honestidade. Felizmente, ninguém se apercebeu desse fato.
Nem conseguia respirar de tanta dor. Comecei a gritar. Pronto, tive certeza de que estava ficando absolutamente sã: não tem nada mais sanitário que a dor. Achei ter visto a sombra de um inquisidor espanhol, mas, na verdade, o rebuliço era bem outro e se passava na sombra da minha estante:
_ Agora? Devo agir agora?
_Não, espere mais um pouco! Não se precipite!
Quando senti um apertão especialmente forte, um jato saiu de cada um dos meus ouvidos. Não era sangue, conforme pensei a princípio, mas um intrigante líquido claro e pegajoso.
_O que você acha? – perguntou um francês, na idade da razão.
_Tanto faz! Não faz a menor diferença, no final, mesmo... – respondeu displicente e de mau humor um alemão, enquanto penteava o bigodão com um pentinho de osso.
_É agora ou nunca! Se não for, enlouqueço de ansiedade! –gritou um russo de olhar injetado, e agarrou o machado brasileiro ao seu lado.
Senti então uma pancada formidável na têmpora direita e perdi os sentidos.
Quando recobreio-os, eu era uma pequena pessoinha sem feições, sem cor, sem pelos, nem órgãos definíveis. Eu estava meio para fora de um recipiente ovalado que tinha um volume de 27,3 cm3, que percebi ser a minha antiga cabeça, envolta numa substância heterogênea a 35 graus Celsius. Rastejei para fora, indo cair sentada num tecido de algodão com 13% de poliéster, que reconheci de pronto como meu antigo lençol. Tinha um Trident de menta na lixeira de latão, do outro lado do quarto, e seu cheiro combinado com o barulho da madeira dos móveis dilatando estavam me enlouquecendo. Aquelas 17.854 cores! Notando meu desespero, o russo e o francês jogaram-me uma fria escada de 3 dúzias e meia de clipes de papel para que eu conseguisse subir na estante. Uma vez lá em cima, pediram ao alemão uma chave, que ele tirou resmungando do bolso do sobretudo preto. Encaixaram a chavinha numa das portas de couro e foram me empurrando para dentro. Enquanto eu entrava, dei uma última olhada para trás: senti pena da minha mãe, que teria que usar aproximadamente 570 ml de alvejante para lavar todo aquele sangue. Perguntei se deveria deixar um bilhete. O francês olhou-me benevolente como um mestre olha um novo pupilo ainda muito inocente, mas o russo advertiu-me que as pessoas já não me compreenderiam.
_ Sie haben nie verstanden – corrigiu o alemão.

segunda-feira, abril 11, 2005

Caetera Desunt 

Sonhei que tinha dado um gatinho pra diretoria executiva do Pirajá. Era daqueles rajados de laranja com branco e olhos verdes de urânio.

Ele se chamava José. José Cuervo.


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Poema do Folder

No meio do caminho
Tinha uma área-meio,
Tinha uma área-meio
Bem no meio do caminho.

(não podia ser mais pra lá um tiquinho?)

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“Vai, sem duvidar,
Mas, se ainda faz sentido,
Vem.”

(Você pode ir na janela – Gram)

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Antworte

Tudo tão quente. Os bonbons que vc me deu derretidos no papel alumínio.

Tão típico de você. A gente acha que é doce, morde e o quê? Metal.

Aquela micro-pilha de dente, saliva, papel alumínio e gordura vegetal hidrogenada dá um choquezinho na obturação. Só pra doer mesmo, porque você, todo micro-pilha, acha que precisa me machucar para que eu te prove.

Para eu te provar que estou te sentindo, para eu provar que continuo te gostando. Prova de gosto e eu nem sou sommelier.

De novo, eu provo (ou tento): te amo. Líquido quando quente ou sólido quando gelado, ainda assim eu pago o preço dos teus micro-choques cotidianos em troca das migalhas do teu gosto.

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tempus fugit

Tem sempre um lado do coração que é maior,
Tem sempre ainda mais corda para novos nós.
Tem sempre cinza na poeira que o vento traz.

Sempre houve aquela saudade nos meus ombros,
Sempre houve tulipas, escoriações e escombros.
Sempre houve um travessão e essas reticências.

Desde sempre, distância, suspiro e indiferença,
Desde sempre cercas, grades, portas e janelas.
Desde sempre todos esses cadeados em cadeia.

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Pessoa aleatória em rodinha de nem amigos: "Poan, purquê que tu nem usa saltualto?"
Porque não sou asinino pra achar bacana andar na ponta dos pés.

sábado, abril 09, 2005

Buraco de nunca encher 

Levaram o meu pequenininho embora.

Bateu na porta essa mulher que disseram ser amiga da família. Entrou, de sorriso estampado e levou o meu pequenininho embora na maior sem cerimônia.

Tentei manter a dignidade, não queria chorar na frente daquele estrupício. Nem do meu bebezinho.

Coloquei as coisinhas dele na sacola, tudo separadinho. Cuidei pra não faltar água na viagem, pra que não sentisse frio.

Fiquei com ele no colo até o último momento, repetindo mentalmente que era melhor assim. O coraçãozinho dele batendo colado no meu peito. Quando o entreguei, uma raiva no peito.

Quando estavam saindo pelo portão, ele chorou. Meus dedos, na grade da porta, fizeram força contra tudo aquilo até ficarem roxos. De nada adiantou, como quase sempre, e eu chorei baixinho.

Meu pequenininho chorando, aquele choro de filhote, aquele choro fininho. Aquele que sobe que nem fumaça. E que corta a carne por dentro.

Mas choro não conta pra nada. Levaram o meu pequenininho embora.

quinta-feira, abril 07, 2005

Writer’s Block 

Sine plus, surplus.

segunda-feira, abril 04, 2005

Com-Clava 

Morreu o papa. Pronto.
Todos os católicos do mundo estão em alvoroço. Que pode um ateu fazer, não é mesmo?
Não vou falar do papa. Vou fazer que nem o Diogo Mainardi e não vou falar do papa. Não vou criticar o pontífice.
Vou é falar dos pontificados. Não, não estou falando do período de tempo em que papeia o papa (ou como for que se diga o que o papa faz... Não é governo, mas também não é mera “liderança”, como o Dalai Lama ou o Henry Sobel...). Vou falar das pessoas que obedecem/seguem/acham bacana o papa.
Ok que elas têm a opinião delas e tudo mais. Ó quei. Só não posso engolir, de jeito nenhum, que o nosso para-poder fiscalizador (dã, claro que não é o judiciário! É a imprensa.) caia de quatro e abaixe as calças. O próprio papa era contra isso.
“Religião é religião”, dizem as pessoas, dizendo absolutamente nada e querendo justificar absolutamente tudo. A grande imprensa abriu as pernas total. Ela, que de forma geral tem um relativo compromisso com a verdade, até ajudando a esculhambar a pequena imprensa que é descaradamente parcial.
Assisti ao finalzinho do fantástico. Meu primeiro comentário é meramente opinativo, deixo logo claro. Ninguém merece esse esquema de um quadro falando do papa, outro quadro falando de qualquer outra coisa. Por que, realmente, tanto tempo de mídia para esse evento? Será que há mesmo demanda por isso? Que parcela da população ficou efetivamente chorando o fim de semana inteiro? Não me lembro de outro evento pra que se dedicou tanto tempo de mídia. “50 mil pessoas vão pro enterro do papa”. Quantas pessoas vão para o show da Ivete Sangalo no carnaval?
Mas, de novo, esse comentário é meramente opinativo. Não estou me baseando em nenhuma pesquisa, em nenhum dado concreto, é somente uma visão, ou melhor, um questionamento.
Meu ponto principal é: religião, sim. Ninguém aqui está achando bacana morar na China e não poder ir à igreja. Religião, sim; mentira, não.
Só porque o cara é um líder religioso não significa que ele seja santo. O homem fez merda, claro. Fez coisas bacanas, vamos aplaudir, que lindo. Mas também fez coisas erradas, vamos aproveitar para discutir e ver se melhora no próximo pontificado?
Er... not really.
Não pode um sujeito ir pra televisão e dizer “ah, o papa foi um grande defensor dos Direitos Humanos”. Porra nenhuma. Ah, não, cacete, eu vou repetir: PORRA NENHUMA. Primeiro de tudo, o vaticano a princípio era CONTRA o estabelecimento dos chamados “direitos humanos”. Aliás, quando vivemos numa época em que as pessoas acham que direitos humanos são regras para defender bandidos, cabe explicar: os chamados direitos humanos são um conjunto de direitos inalienáveis a que todos os seres humanos teriam acesso pelo simples fato de serem seres humanos. Seriam o mínimo de garantias que todas as pessoas têm que ter, sempre, independente de qualquer outra coisa. É uma ficção jurídica, uma coisa que só vale se os países assinarem os tratados de D.H. e se comprometerem a seguí-los. Como todo o resto do direito, aliás.
Enfim. Como pode o vaticano ser contra essa idéia é uma coisa que me espanta. Não sei explicar.
Vão argumentar: ah, mas esse papa era a favor. Bem, isso é um tanto quanto subjetivo e eu respondo com um dado objetivo: Jotapê II não assinou a Convenção dos Direitos Humanos que foi produzida pelo Conselho Europeu em 1950. (fonte: Hans Küng, Especial para Der Spiegel, revista alemã que é tipo a Veja). Não assinou, significa que não se submete. Em outras palavras, não concorda tanto assim. Por quê? Por quê não quis o vaticano assinar a convenção, já que isso seria um símbolo tão poderoso para o resto do mundo?
Então. Não pode falar caô na tevê não! Que feio! Não foi nada de importante na luta pelo reconhecimento dos Direitos Humanos. Talvez na luta pelos valores cristãos, aí concordo. Ser contra o homicídio não significa ser a favor dos Direitos Humanos.
E, outra coisa: ele NÃO pediu perdão pelos erros da Igreja (InquisiçÕES e afins). Não, não pediu. Pediu perdão, abre aspas, pelos erros dos FILHOS da Igreja, fecha aspas. Desculpem todos, mas isso fica muitíssimo aquém da minha idéia de homem santo.
Fiquemos todos impressionados pelo símbolo desse homem, o que ele representa para tantas pessoas, um símbolo de bondade. Mas é criminoso parar por aí. Só porque é um símbolo de bondade, não significa que o que ele fizer é necessariamente bom e piedoso. Parece muito óbvio, mas quase que somente para um não-cristão fica evidente esse transbordamento em quase todos os depoimentos.
Vou fazer um statement muito perigoso, agora: santificar o papa (esse ou qualquer outro) é absurdo. É imoral.
Santificar uma pessoa, na nossa cultura, no nosso tempo, significa elevá-la à categoria de modelo. Mas não é só isso. É torná-la perfeita, é desconsiderar imediatamente qualquer crítica. É calar a boca dos que reivindicam alguma mudança, é negar peremptória e previamente o direito a defesa de pontos de vista diferentes. Perigoso, santificar um homem hoje. Perigoso porque desabona os críticos a priori e também porque os fiéis católicos, aquelas pessoas que têm a melhor das intenções, aquelas pessoas que choram diante dos símbolos do que há de melhor no homem, essas pessoas são lançadas num processo interno de negação profunda. Negam os erros, as discrepâncias e as incoerências num movimento de defesa psicológica.
Religião é religião. Exatamente. Não cabe questionamento no campo dogmático. Acontece que isso significa poder questionar, sim, o que não for dogmático.
Religião, sim. Mentira, não. Enganação, não. Engodo, não. Simplismo, não.
Religião: do latim ligar novamente. Ligar mais, ligar de novo, somar. Parcialidade e manipulação são subtrações, são o próprio contrário de religião.
Viva a liberdade de religião. Mesmo, em todos os sentidos. Viva a conquista dessa liberdade pelos poloneses, por exemplo. Abaixo a imposição, a Propaganda (naquele sentido macartista-soviético), a imposição, a arbitrariedade, o absolutismo e a “moral majority”.
Cansei dessa coisa stalinista católica. Como está, não dá.
Mas continuo sem falar diretamente do papa. Estranha sabedoria mainardiana, rendo-me.

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