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segunda-feira, janeiro 29, 2007

Alface de Picanha 

Vocês. Entreolhar. A distância pulsa, os arredores rodopiam, a vista fica turva. Os andares e camadas do passado desmoronam e tudo se mistura, tudo perde parâmetro, os eixos dão nós nos cadarços e o universo tropeça.

Os joelhos ficam dobrando e um sangue fervente empurra doloridamente as têmporas. A luz corre de um olhar para o outro, levando todo tipo de pensamento. Quase se pode ouvir o barulho de transmissão tensionando o ar. Quase se pode mesmo ver, como uma daquelas fotos de rodovias à noite, riscos alucinados de luz.

As bocas se entreabrem, ainda sinalizam algum balbucio, mas desistem. Engolem em seco. Puta merda. Uma voz no meio da sua cabeça às vezes se sobressai ao pregão da bolsa neural: “puta meeeeerda!”. Putz, você tinha que acabar se apaixonando logo agora?

Justo agora?

Logo agora, que você já estava completa e absolutamente apaixonada? Logo agora, que estava tão feliz, que nada estava errado, nem estranho, nem insosso? Logo agora, que o amor finalmente resolveu deitar ronronando no seu colo, depois que você passou a vida inteira correndo atrás dele, tentando de tudo, e ele só fazia te arranhar e te ignorar com uma solenidade blasé?

Logo agora que você se mudou do você antigo, que botou a plaquinha de 'Vende-se' na pele antiga, que organizou a vida toda, que planejou o futuro como carnês das casas Bahia, que comprou lençóis que combinavam com as persianas? Logo agora que conta conjunta, que cama de casal, que escovas no armário, que potes iguais de cereal? Logo agora que você estava esfregando sua Felicidade e Funcionalidade na cara da sua família toda?

The F word.

Logo agora, que de repente apareceu essa amizade tão imensa, que você finalmente encontrou quem tivesse lido os mesmo livros e que mesmo assim continuasse querendo ler os mesmos próximos livros? Alguém que tivesse gostado do mesmo RPG, que tivesse o mesmo vídeo game, que sempre pare para dar umas moedas para quem quer que estivesse na rua, com o coração doendo de verdade e não resmungando o teor alcoólico alheio? Um serzinho incrível que também queria tatuar um oroboros na base da coluna, um lugar tão irônico para se botar um, e ainda um dragão nas costas, só para estabelecer o seu protocolo em negrito, e uma carpa na panturrilha só porque é lindo? Essa pessoinha que também tem uma postura tão inocentemente esquerdista e pacifista quanto a idiota que bate no seu peito, mas que também traz um realismo ateu por cima, pendurado no pingente? Que também fica remoendo a ética de comer isso ou aquilo, que gosta de sebos, livrarias e bibliotecas tanto quanto de sofá, capuccino e suspiros? Que escreve as coisas mais bonitas e ao mesmo tempo mais piegas que você já viu na face da terra e que ...

Pãtz. Justo agora é tão injusto.

Logo agora, tudo isso de pathos, em um tempo-espaço tão errado.

Ainda assim, indiferente a toda as suas ladainhas internas progressivas em hipertexto, o universo ainda está tropeçando e caindo de cara em si mesmo. Tudo ainda está acontecendo, o inacreditável boceja, enquanto você não acredita. Não podia nada disso estar acontecendo, mas está, junto com os fatos mais angustiantes da lógica existencial, como a fome na África e a razão de comidas saudáveis terem um gosto tão repugnante quanto comidas repugnantes têm um gosto absolutamente maravilhoso.

Contudo, entretanto, mas, ainda assim, porém, não obstante, embora, todavia.

Você quer, você sabe que você quer com cada fibra muscular, encharcadas com pegajosas moléculas longas de desejo. Você não pode, você sabe muito mais que bem que você não pode, você sabe com cada uma das sinapses que estroboscopiam dentro dessa sua cabeça dura.

As mãos se tocam e ah, luxúria como um oceano morno. Os olhos se fecham, meio que para evitar que você escapula de dentro da sua pele, meio que para mostrar a vergonha lamacenta que encharca seus tornozelos. Você não pode ver, mas o outro par de olhos também fechou, porque agora ecoa pela galáxia um sinal de ocupado. Tu tu tuu.

Suas mãos pousam naquele abdome e você sabe o que elas estão dizendo: meio mantendo distância, meio querendo arranjar caminho para se entregarem. Ai, polegares opositores, o início da maldição toda.

O desejo já vem porrando de mão fechada, e a razão grita enquanto vai tomando caixote. O sangue desce das têmporas a regiões bem menos apropriadas a manter a civilidade e bem mais apropriadas a sintetizar felicidades.

Duas respirações arfando, dedos entrelaçados nos cabelos das nucas e os aríetes arrebentando com os portões da cidade. Os arqueiros largam os arcos e apelam para os caldeirões de óleo fervendo: sua aliança queima a mão que a ferve.

Hesitação, as tropas se desorganizam. É agora ou nunca, esse é um daqueles cruzamentos de universos paralelos, pode ser e pode não ser. Conjecturas. Você arrefece, a lama sobe até os joelhos e você se ameaça infernos e punições com a paixão de um jesuíta em frente a uma tribo inteira de pessoas nuas.

Mas o aríete se transmuta em catapulta e voa por cima das defesas, muralha acima, cidade adentro. Explosões, portões abertos, calor e cheiro de sangue, batalhas, unhas, suor, resfolegantes fractais de carbono e opiniões. O irracionalmente doce cheiro das coisas mais monstruosas que pode um ser humano fazer: traição e assassinato.

Pensamento de espírito acadêmico para o intervalo comercial: talvez os dois sejam irmãos. A primeira, mais velha e mulher, arrasta a culpa como uma perna manca. O segundo, mais novo e moleque, cavalga o ódio e foge sem dar nem tempo de julgamento. Ambos pervertem a punição, porque ela a deseja e ele desdenha dela.

Um par de correntes para cada coração: uma corrente de gemidos de inegável prazer, outra corrente de lágrimas pela inescusável vilania. A vida vai vomitando os aros, cada vez mais, sem poder parar, mais, e você deseja mais, cada vez mais, mais e mais, e você implora para que alguma coisa os impeça, agora, por favor, parem agora, pelo amor de tudo quanto for mais sagrado...

Amor. Sagrado. Irônico, não? Pior é que é.

Quem dera o preto fosse mesmo separado do branco. Quem dera amor da vida. Quem dera senso moral ou punição alguma fosse suficiente para a existência. Quem dera você nunca fosse capaz de arruinar, de uma só vez, as duas melhores coisas que já cruzaram o seu caminho pedreira acima. Quem dera alface tivesse gosto de picanha e vice-versa.

Ê vida filha da puta.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Our Lady Love-of-our-lives 

You are living it day by day. You don’t know exactly what is wrong, but you can feel it there. It’s there, inside you, somewhere.

You lie your head at night and sigh. On your pillow, the truth is loud and you can’t help but hearing, no matter how much you try to overlook it, overscream it, overwork it.

The alarm rings all night in your head, so when it actually rings, you wake up and don’t know where you are. You were not supposed to be there, at that same place, but out there, somewhere.

Then, the moon whispers melodies that make your blood boil. Your nails crave for a piece of flesh. There is a silent, metalic hatred in your mouth and your eyes pierce the air with a hum. Your life is a stop motion of Saturday nights.

There is something you want. Something you need, very badly. Something you crave in the back of every paper, in the bass line of every song. It’s out there, somewhere. But it's nowhere.

And, one day, without any warning.

One simple and ordinary night, you are going to dance. Something will click into position, the stars will nod with approval and you would kill for that one moment again.

Then, there comes the incredible peace. The cosmically immeasurable joy of all the little things, folded up a billion times on themselves, hidden in ironically atomic details. Your life is a slow motion technicolor Sunday afternoon.

You are so happy you cannot contain yourself, not to mention everything else, so you come over your borders. Swollen untill your skin yells. You start swallowing yourself, trying not to miss one moment. Because you know something is going to break very soon. You can feel it cracking, somewhere.

But you can’t stop the flow of perfect events and you must concentrate on not missing any drop of this rain. Every drop gets you high, and everybody who knows inside that invincible truth of mandatory finis knows the feeling of harvesting experiences obsessively. There is absolutely no time to waist with The Lost Battle.

Then, one day. Not too much later, but not that soon, she will leave you.

And you will cry, for ten thousand reasons. Specially because you saw it coming, like a meteor heading straight into you.Faster as it got bigger, just like physics would say. You knew she was walking away. You felt it, drop by drop, unraining.

It was there, all the time. The way she turned her head when you were looking at her as if she were a renaissance painting. The way she started looking at her feet when you tried to find out what you had done wrong. The way her smile suddenly became condescending. The way you started to notice her staring out of the window. The way she started talking about the dishes when you started talking about dinner.

She was leaving. You couldn’t bear knowing it, but you felt it.

Suddenly, your days are all Monday mornings. You can’t really get up. Your skin is dry, your plans knot themselves in the muscles of your back, people are painfully loud and silence flows within your veins. There will never be another one. You wish you could feel it, but by now you can only know it, all over, with a deaf certainty. It’s there, all over you, everywhere.

She. Our Lady Love-of-our-lives, have mercy on our hearts, amen.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Feliz Natal 

Se eu não te amasse tanto, talvez agora estivesse escrevendo (outro) texto com 700 teses que explicassem o quanto eu odeio o natal mais que qualquer grinch.

Só que, esse ano, eu comprei presentes e escrevi cartões. Como se tivesse meus 7 anos de novo, como se não tivesse perdido esses anos todos tendo outras idades.

Se eu não te amasse tanto, talvez agora escrevesse melhor. Talvez minha angustia não me deixasse dormir até que eu não tivesse nenhuma outra escolha a não ser crescer. Talvez mais rápido do que eu podia. Ou devia.

Desde que comecei a escrever pelos cadernos, com 7 anos, eu nunca escrevi tão pouco. Nem tão mal, talvez. Nunca escrevi menos textos, mas nunca escrevi tantos bilhetes. Talvez escrevesse tanto mais porque não tinha a quem mandar bilhetes.

Se eu não te amasse tanto, provavelmente ia continuar sem compreender coisas estúpidas como a monogamia, o veneno concentrado do ciúme, a maternidade, os filmes bobocas, os botecos, a graça de sentar na grama do Palácio do Catete, os ramalhetes de flores, a conta conjunta e toda a belicosidade encerrada em uma aparentemente inocente conta de telefone.

Se eu não te amasse tanto, provavelmente leria mais, iria mais ao teatro, veria mais filmes europeus, conversaria com mais pessoas interessantes, seria mais produtiva no trabalho e escreveria a minha monografia mais rápido.

Mas eu não saberia que eu posso ser feliz, como eu era quando tinha só 7 anos: absurdamente, inchadamente, tilintantemente. De sorrir um dia inteirinho por causa de um bilhete em um pedaço rosado e meio manchado de papel de pão.

Foda-se a monografia e todas as inconveniências de um feriado forjado, importado e empacotado com fitas, vocês me entendem? Feliz natal.

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