sábado, outubro 30, 2004
Radiohead - Life In A Glass House
O violador pede baixinho: “me abraça”
Num certo ponto, aparece um homem e rasga seu peito em dois. Assim, sem motivo, na frente de todos os seus 4 amigos, dos seus colegas, de conhecidos e desconhecidos. 21 anos forjando e reforjando a sua armadura e não serve para absolutamente nada: ele já sabia de tudo, nem precisou perguntar nada. Não só sabia, como tinha nas mãos uma clava oculta que jogou por terra todos os seus muros, armadilhas, senhas e charadas. E você, a mais arrogante de todas as pessoas, a que se joga na frente das balas, a que suporta sempre os chicotes com um sorriso petulante, a maior Grace do mundo, você vê-se então humilhada, de cara no chão, completamente dominada por um medo estúpido. Logo você, que acha o medo patético, que se pensava tão superior, que não precisava tanto assim de nada nem de ninguém. Então, quando esse homem extraordinariamente forte não só lhe viola os segredos, não só lhe expõe o peito, mas também (e principalmente) te domina completamente e te segura no chão, a perda é irreversível. A campeã do estoicismo não teme a dor, mas desaba ao ser confrontada com o próprio medo... Muito pior que tudo é saber que esse caso não é tão simples quanto os outros: não há reeducação, vingança ou retaliação. Não pelo motivo de sempre, o martirismo arrogante que te fazia bem, mas por causa da natureza radioativa desse amor absurdo, que independentemente do meio continua enviando partículas de si, sem motivo, mesmo sem objetivo. E você sabe que ama esse homem como nunca amou nenhum outro. Irreversivelmente imobilizada, o choro é muito menor que a sua tristeza ou que a sua raiva. Quando a lágrima seca, deixa o sal sobre os cortes e toda a dor fica pequena e suportável novamente. Só então você olha para o lado e vê seu Titã com o rosto no chão. Vê seu violador, que jaz exposto, ele mesmo violado, caído, desmascarado, de cara no chão. Ao seu lado. Vê aquele homem, tão forte, tão invencível, chorando no seu colo. Vê aquele homem, ainda mais arrogante que você, amaldiçoando as próprias lágrimas. Nus, expostos, violador e violado alternam-se, lado a lado. Até ontem, eu diria “tudo bem, eu perdôo o seu sadismo”. Até ontem eu diria “você não precisava me rasgar assim pra se abrir pra mim”. Mas, depois de tudo, não. Agora, não. Hoje eu fico em silêncio, contemplando o nosso masoquismo extirpado, escalpelado e pendurado pelos tornozelos atrás da porta. Hoje, eu fico aqui deitada nos seus braços enquanto o dia amanhece. Olho nos seus olhos, duas lâminas de gelo, dois pedaços do meu céu cinza de outono, e não vejo mais nem um titã nem um menino. Vejo só o homem com quem eu dividiria todo o meu caminho. Todo o papo de elevador, depois, foi só pra refazer as energias e seguirmos adiante. Já eram seis da manhã e o tempo já tinha voltado a correr pra gente na mesma velocidade que pro resto do mundo. Foi só pra conseguirmos rir um pouco e sairmos um de dentro da carne do outro, pra conseguirmos ir embora antes de ficarmos tempo demais ali.
sexta-feira, outubro 22, 2004Meu Bem, Essa é Tua Deixa
(Escrevo tanto e sai tudo tão pouco!) Tento tanto descrever o que sinto e não chego nem perto do começo... Se me vires chorar, não te espantes; meu choro é meu desespero, minha impotência, minha pequeneza. Deixa ao menos chorar quem nem mesmo consegue sair do lugar! Deixa meu violão soar assim desafinado, fora do tom, já que eu estou doendo tanto assim... Deixa que eu diga frases sem nexo, deixa meus predicados soltarem-se dos sujeitos, deixa todos os meus verbos com uma terceira pessoa. Deixa meu olhar perdido, deixa meu coração assim aberto e partido! Deixa que eu fique sozinha, deixa-me na janela. Deixa-me tropeçar nas minhas penas, não me sustentes! Deixa-me carregar meus pesos, deixa-me arrastar os pés! Deixa-me amar assim, desse tamanho que nem cabe em mim! Deixa-me transbordar, deixa que eu deixe entrar muito mais do que um dia eu poderia! Deixa-me ajoelhar, deixa-me sujeitar, deixa-me implorar pelo que não virá... Deixa-me ser ultra-romãntica, azeda e Azeveda! Deixa-me ser miserável, ridícula, insígnia do sem sentido... (Vire o rosto agora, que meus olhos estão cheios d’água e eu não consigo nada pra preencher meu vazio.)
Was nützt die Liebe in Gedanken?*De repente a luz é muito mais
De repente, seu corpo se expande e
De repente, o importante te soa
De repente, o tempo para só pra
De repente, uma bobagem é a coisa
De repente, palavras soltas roubam
De repente, só mais um sorriso é
De repente, os cheiros, os ventos e
De repente, sua mente fica tão
De repente, tudo o que passa na sua
De repente, o mundo é tão
De repente, você se pega olhando
De repente, você quer se rasgar em
De repente, tudo se mistura e o
De repente, você descobre que
De repente, as pontas dos seus
De repente, você se pega cantando
De repente, ideologia é só
De repente, você trabalha sem
De repente, seus olhos escolhem
De repente, todos os rostos são de
De repente, você xinga Pitágoras
De repente, Ehrlich e Foucault te
De repente, você se toca que
De repente, você pega uma doença
De repente, positivo e negativo são
De repente, você percebe o vazio e
De repente, você para de ter medo
De repente, você se esquece de
De repente, seus ouvidos ficam
De repente, você descobre que
De repente, seus pés têm asas e
De repente, você tem a sensação
De repente, o fato de ser dia ou
De repente, seu peito parece que
De repente, suas imagens das coisas
De repente, alguma coisa te faz uma
De repente, você passa dias com a
De repente, você fica horas
De repente, o menor movimento do ar
De repente, você dava todo o seu
De repente, você se descobre
De repente, você perde uma prova
De repente, você boceja durante
De repente, sua caneta vai
De repente, tudo é tão nada. De repente, você se sente
De repente, parece que sua pele está
De repente, você só consegue
-//- (* "De que serve o amor em
quinta-feira, outubro 21, 2004VIVA O ABORTO DO ANENCÉFALO!!!
Sinto uma raiva absurda de viver num país onde a porra do Supremo Tribunal Federal ainda está discutindo a “possibilidade” DO ABORTO DO ANENCÉFALO. Só isso, desabafo.
sexta-feira, outubro 15, 2004Pelo Superego Super Nego Meu Super EgoQue fazer, senão ceder, senão deixar-se ser? Se derroto a mim mesma, como posso vencer? Se me susto, se me controlo, se me cerceio demais, se sou
Efeito Palimpsest
(Palimpsest é um manuscrito para cuja confecção usamos um
outro manuscrito, previamente raspado ou lavado. Uma prática muito comum nos círculos eclesiásticos medievais por óbvias razões econômicas: naquela época não havia Pergaminhos Chamequinho.) Esse fim de semana prolongado em Ouro Preto provou-se muitíssimo
Descobri que falamos, todos, muito mal e que ouvimos muito
Claro, isso parece RIDículo, mas não ria do ovo de
HeimatlandTambém peguei-me num novo dilema, por uma antiga convicção posta em face a novos fatos. Fazia anos que eu não entrava numa Igreja. Não digo isso naquele tom de passava-na-porta-mas-tava-sem-tempo. Isso simplesmente nunca fez parte da minha vida, mas ultimamente eu tinha ido da indiferença para um incômodo absurdo quando o fato social familiar obrigava o comparecimento ao templo em questão. Algumas pessoas, imagino, não entenderam o que eu quis escrever, então vou tentar uma metáfora: para mim é como entrar num hospital. É extremamente incômodo e eu quero sair o quanto antes dali. Pois bem. Em Ouro Preto, é bem sabido, só há mais ladeiras do que Igrejas. Chega a ser patético, pelo menos para mim, desentendida dos encantamentos religiosos: duas igrejas no mesmo lugarzinho é super comum. Ainda por cima, haviam oratórios em cada esquina, ensina a plaquinha do museu. Enfim, estávamos visitando a cidade e todos pararam em fila para entrar na primeira Igreja, na esquina (esqueça os padrões de ruas e esquinas do Rio ou São Paulo: uso esquina por falta de vocabulário urbanístico para coisas localizadas em uma dobra, entre ladeiras) da rua (leia-se ladeira) da pousada. Estão todos na fila e eu, bem, eu parei congelada no portão. Juro. Aconteceu um fenômeno meio estranho com essa superigrejização da cidade (um fenômeno que, acho eu, só deve ter interessado a mim, tão estrangeira a esse mundo cristão que todo mundo conhece tão bem que às vezes me sinto ilhada. Sinto um tipo de curiosidade gringa por isso, se é que me faço entender, e deve ser muito engraçado aos “nativos” do assunto, ver o assombro meio bobo de estrangeiro face a coisas tão corriqueiras e usuais que ninguém nem dá bola). Voltando aos efeitos curiosos da superigrejização Blackgoldiana: primeiro, cobra-se entrada para visitar as igrejas. Parada na fila, mais algumas entre as mil perguntas que me brotavam na cabeça: como será que eles sabem quem é fiel local e vem só dar uma rezadinha, fazer promessa, iadda-iadda, e quem é turista e veio olhar a arquitetura? Será que tem um horário pro pessoal vir? Como eles vão barrar então os turistas “espertinhos”? Será eu tem uma igrejinha não-histórica, vagabundinha, que serve pro povão rezar em paz? Pode, isso de cobrar pra entrar em igreja? Segundo, temos toda uma gama de personagens no mínimo estranhos: vendedores de bijuterias no pátio e guias lá dentro. Tudo é tão isso-é-só-mais-uma-igreja que nós, turistas, éramos os únicos incomodados com o cachorro que subiu as escadas e já ia entrando. As pessoas não fazem sinal da cruz, por exemplo, quando passam defronte às igrejas, até por impossibilidade material (já viram o quanto a materialidade influi no protocolo-cerimonial das religiões?) O limite entre igreja e museu é tão tênue que eu não saberia qual é qual, não fosse pela arquitetura (também histórica, por si só!). Disse isso tudo porque foi isso, exatamente, que gerou todo o meu conflito: eu nunca sinto a mínima vontade (mesmo – sinto até um certo desconforto) de entrar em igreja nenhuma; por outro lado, adoro museu. Pronto, deu pra entender? Demorou um tempo para que eu conseguisse racionalizar a situação e entender meu conflito de emoções... Aí, paguei a entrada e fui atrás do guia, mas não subi ao altar. (Comentário Juris: princípio da proporcionalidade, não? Viva Binembojm) argumentum ex nihilo
Bem sabem as pessoas que foram comigo da minha total desinformação sobre a viagem. Entendam, gente: minha família (leia-se minha mãe) acha super normal e empolgante passar as férias indo pra lugares históricos e turísticos. Passei minha infância e adolescência assim. Quando me disseram: “vamos pra Ouro Preto no feriado?” foi só isso que eu li (de novo, o efeito palimsest). Na semana antes, qual não é minha surpresa ao descobrir a existência de um evento bizarro chamado “Festa do 12”, sediado nessa pitoresca cidade mineira, através de um e-mail da Vivi. Todas riram da minha cara no dia seguinte, quando revelei não só não saber que diabos era aquilo, mas também me recusar a acreditar que o meu conjunto “Ouro Preto” tinha uma interseção com aquele... treco micaretístico. Bem, cedi e fui. Podia ter pedido meu dinheiro de volta, mas me recusei a acreditar que tratava-se da mesma coisa. Durante o dia, meu conjunto, fora um monte de mineiros bêbados. Mas mineiro é muito legal, nesse sentido: passam mal quietos, se dão auto-tocos instantâneos, gritam baixo, esse tipo de coisa muito bizarra para uma carioca. Dessa forma, os dias foram muito agradáveis, torrando muito dinheiro com vinho, comida, lembranças e pedra-sabão, e visitando os lugares- muito interessantes e altamente viajáveis pela minha cabeça cansada da UERJ. Durante as duas primeiras noites, fiquei na pousada, fazendo o que mais gosto: falando horas seguidas. Na primeira noite com minha nova pessoa, tia marcela, que eu não conhecia. Na segunda, com minha aprendiz de psicóloga favorita, a Ciça. Na terceira noite, resolvi experimentar esse negócio de República. Todo mundo já estava devidamente avisado dos meus gostos, portanto houve o mais completo dolus malus (intenção malvadíssima) em me fazerem passar na porta de uma República, FECHADA, que estava tocado o Nevermind todinho. Fiquei lá, pulando sozinha na calçada. Depois, me enfiaram num calabouço – vc descia, descia, descia – onde não estava tocando nada. Quando eu já estava esmigalhada num cantinho, começa uma bandinha de pagode. Minha gente, fiquei 58 minutos pedindo pra ir embora, tendo como resposta o sádico “só mais uma música e a gente vai”. Eventualmente consegui convencer as pessoas a irmos embora, ajudada pela falta de talento do conjunto, do entusiasmo erótico do casal ao nosso lado (quase fui estuprada em crime continuado num ménage) e do mais absoluto e empestiante fedor que um sujeito emanava de suas axilas. A outra República, essa sim chamada de “masmorra”, ironicamente, tinha uma bandinha de rock e depois tocou tecno. Tocaram o mamute e tudo, gostei deveras DESSA PARTE. Isso tudo posto, nunca mais viajo com certas pessoas sem antes fazer uma pesquisa extensiva acerca das condições ambientais. Só pra terminar, o ônibus era insalubre. Só conhecendo a minha vida alguém pode entender como, ainda assim, foi melhor que ficar em casa. Or so I want to think.
Discordo do PomoAinda no clima palimpséstico, discuti com minha nova amiguinha muitas coisas interessantes. Muito bom conhecer gente inteligente, não? Pois bem. Revendo conceitos, descobri que deveria ter sido um pouco mais generosa com defeitos alheios, principalmente quando eu os conhecia de antemão. Teoria dos 4 Elementos Fundamentais da LâmpadaPara alguns, é viável que a sub-lâmpada mais intensa, aquela coisa Romeu e Julieta, se forme só com um, para outros só com os quatro. Que acham vocês? Pra mim, sem plus, surplus. Parte pelo TodoEra uma vez um pardalzinho que odiava muito mesmo ser pardalzinho. Não exatamente ser pardal, mas ser inho. Ser pardal, por si só, já é chato, veja só. Ser pequeno, desimportante, versão só um pouquinho mais simpática que os sujos, mendicantes, humilhados e famélicos pombinhos. Pardal não canta, pardal pia, e olhe lá. Pardal não tem cor, é pardo, que é um nome cruel que a gente usa pra dizer que uma coisa é meio borrada, meio misturada, e a gente não tem paciência nem interesse em definir de que cor é. Nem nome o pardal tem: é só ‘o que é pardo”, palavra que, convenhamos, não identifica nada. Pardal, portanto, já sofre, minha gente, o suficiente. Imagine então a raiva desse pardal em particular, quando alguém, portador de toda a boa-fé dos míopes, de toda a excusa dos ignorantes, ou de todo o sadismo dos narcisistas, alegremente referia-se a ele com o diabo do diminutivo. Pardalzinho, pardalzinho, pardalzinho. domingo, outubro 03, 2004Deutschland, 1939.
Digam-me aí, até que ponto deve uma pessoa ser tolerante com a opinião alheia? Digo isso porque acho o tema dos mais relevantes, já que está na base de qualquer discussão. Se verdade é só um ponto de vista majoritário, quanto devo confiar nas minhas próprias opiniões? Devo aceitar qualquer opinião? As pessoas têm mesmo o direito a ter qualquer opinião? Quando passo de tolerante a covarde, de civilizada a co-agressora por omissão? Quando é que não dizer nada é mais sábio ou mais inocente? Quando discutir é ruim? E quando pode ser bom? Que se faz quando o agressor não quer discutir? È melhor reagir ou dar a outra face?
Us and Them
Eu, na ponte, vejo uma mulher na praça. Tem ela mãos maiores que as asas e os pés firmes no chão. Ela sorri, cantarolando, enquanto balança sua bolsa de compras. Eu, sentada no parapeito, sinto um aperto no peito e um arrepio que balança minhas penas. Só acho conforto nas minhas asas, atrofiadas que estão as minhas mãos por desuso. Já faz tempo que a leveza da minha atenção, tão pouco densa, superou o peso dos meus pés. A figura lá embaixo nasceu para essa terra, para essa vida, está perfeitamente adaptada ao mundo. Já eu não acho lugar para as minhas adaptações. O dia passa por mim, me confunde com uma estátua e me batiza Inércia. Se a mulher me perguntasse para onde estou indo, eu responderia que estou dando a volta no eixo da Terra e rodando em volta do Sol, entre outras espirais fractais. Mas ela nunca faria uma pergunta dessas. Ela é daquele tipo de gente que, quando perguntada sobre a cor do céu, responde imediatamente: azul. (Que disparate!) Eu faço parte daquele grupo de gente que se sente não-parte, ou que se sente não-gente. Enfim, há vezes em que não queremos mesmo ser gente, de jeito nenhum; já por outras vezes gostaríamos de ser, porque nos dói demais a solidão. Somos sempre aquela pessoa de sorriso amarelo, que não concorda muito, que não se enturma muito. Eu sento nas pontas dos sofás, eu rodo copos nas mãos com uma habilidade profissional. Eu tenho mais horas de treinamento de sorriso que qualquer atriz ou ator. Ela, lá embaixo, é daquele tipo de gente que já nasceu sabendo sorrir, sabendo que roupa usar. Eu sou daquele tipo de gente que gosta de chuva, que se pega olhando pro mar. Daquele tipo de gente que vê um pouco de beleza em toda tristeza, e quase sempre muita tristeza em quase toda beleza. Sou do tipo de gente que metralha palavras com os olhos e que escuta com a pele. Faço parte de um grupo estranho que não vê muita graça em trocar saliva e só, que prefere trocar ou ficar só. Sou daquele tipo de gente doente que odeia domingo, que não gosta de praia, nem de multidões, nem de aniversários, nem de casamentos. Sou daquele tipo realmente patológico de gente que gosta mais de perguntas do que de respostas. Que lê jornal ao contrário. Que quase vomita quando sente cheiro de carne crua. Que tem um nível de ansiedade só um pouquinho abaixo de uma Síndrome de Tourette e, portanto, vive dizendo o que deveria calar. Eu sou daquele tipo egoísta de gente que se recusa a mudar os próprios códigos para facilitar a percepção alheia. Eu sou daquele tipo prepotente de gente que não suporta muita gente. Eu sou daquele tipo de gente que sente pena de acabar o livro. Que gosta mais de embrulho do que de presente. Que gosta mais da lucidez que de entorpecentes. Que sonha com instrumentos musicais orgânicos. Que acha que felicidade é montar um marchador em pêlo num campo aberto. Que desconfia de qualquer bicho de pêlo totalmente branco. Que tem medo da própria curiosidade. Que usa as roupas até elas rasgarem porque não vê a menor graça em gastar dinheiro com novas. Sou parte daquele grupo chato que gosta de poucas coisas e que enjoa rápido de quase tudo, de forma que assim, lhe sobrando tão poucas, é facílimo idolatrá-las e ofender-se. Sou de um tipo desgraçado, que nasceu apaixonado e cético na mesma medida. Que acha normal não dormir, não comer, passar horas trabalhando ou estudando até mudar o formato da coluna, mas não consegue suportar ser ignorado. Sou daquele tipo de gente fadada por si mesma a ficar só, um pouco mais a cada dia. Sou daquele tipo de gente que nunca vai conseguir exprimir que diabos lhe passa pela cabeça. Que escreve para tentar apaziguar uma dor que não tem razão: a dor de saber-se parte dos que racionalmente sabem-se parte dos sem razão. (p.s.:us and them - The dark side of the moon - pink floyd)
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