quarta-feira, fevereiro 23, 2005
(Que nome se dá ao desespero impotente?)
Sábado.
Festa num estúdio.
Pedi encarecidamente ao homem da casa (er... meu irmão) que me acompanhasse durante o trajeto, que incluía a Almirante Cochrane toda, mais o CIEP. Claro que ele preferiu jogar vídeo-game e nem notou meu feminismo-equalitário humilhado, se escondendo atrás da cortina.
Fui eu, sozinha, pro ponto de onibus, toda agressivo-defensiva. Sábado à noite. Não tem ônibus em certos bairros, se é que me entendes. Eu, duas horas atrasada, esperei mais meia. Nada de ônibus.
Muito depois das dez, nada de caixa eletrônico. Portanto, nada de táxi.
Que me resta? Engolir o temor das probabilidades, sem copo d’agua mas com telejornal, estatística e gráfico de barras. Antes de sair de casa eu olhei para a minha faca, recém batizada Alice, daquelas que dobram sobre si mesmas, sabem? A lâmina dela entra no próprio corpo, todo pretinho, listras antiescorregantes e aço inox. A sensatez avisou que era melhor deixar a faca em casa. Eu concordei, mandando o nó da garganta descer imediatamente para falar com a boca do estômago, se não estivesse satisfeito. As borboletas do meu estômago logo se revoltaram lá dentro e eu fui obrigada a tomar um copo inteiro de leite.
Pausa para os nossos comerciais: Sabe o que deve ser bom, aliás? Leite com licor de cereja.
De volta: fui andando, subindo a Almirante Cochrane, tentando me lembrar como é que eu fazia quando eu tinha quinze anos. Como é que a gente levanta a sobrancelha e as pessoas desviam o olhar. Como é que você anda pisando duro sem machucar a lombar. Tentando lembrar a letra do No Doubt.
Nisso, passa uma bicicleta. Eu levanto o olhar, a rua está vazia do outro lado; do meu lado um casal no quarteirão da frente. Apressei o passo para chegar o mais perto possível. A bicicleta faz meia volta, eu olho pro canteiro e nenhuma pedra.
A bicicleta, devidamente pedalada por um indivíduo grotescamente nojento, me alcança e me fecha. Eu driblo o movimento esperado com o quadril, vou parar bem no meio da rua. Nenhum carro passa nessa hora. Olho fixo lá na frente, passo quase corrido, nada de ficar na calçada. Saudade da minha faca, por um momento estúpido.
Volta a bicicleta, toda metálica, a dar a volta por trás de mim. Verificar a cintura, procurando por uma pistola sem encarar o aborto ambulante é bem mais difícil do que parece. E o quarteirão esticava, esticava, areia movediça tridimensional.
Aquele pesadelo pilotava a bicicleta com uma das mãos, a outra já estava dentro da bermuda. Bem ocupada, aliás, a mão daquele desgraçado filho da puta. Tão ocupada quanto a boca do infortúnio vivente, que não parava por um só segundo. Meu coração, no chão, se arrastava atrás de mim.
Se tivesse um arma, já tinha mostrado e eu tava fudida. Mas ele ainda era três vezes maior, um porrada e eu ia pra lona (ou pro asfalto, no caso). No meio da rua, os carros começam a se aproximar e piscam os faróis. O sinal deve ter aberto lá embaixo. A bicicleta se assusta com um Gol meio perolado. Dá mais uma volta.
Eu mantenho a reta no meio da rua. Prefiro ser atropelada, era meu mantra naquele momento. Mais uma tentativa de me jogar para a calçada, dessa vez eu olho naqueles olhos vidrados, alucinados. Faço questão de deixar bem claro que estou disposta a brigar. (abaixa o queixo, protege o pescoço, o braço direito protege o fígado, o esquerdo fica solto para manter a distância. Sobrancelha esquerda levantada, adrenalina toda gasta, toda a sua humanidade não vale absolutamente nada).
Mais uma volta. Chego à esquina, mas não vem ninguém. O casal sumiu. Minha faca me chama da gaveta, eu mando Alice calar a boca.
Volta a bicicleta. O diabo da prudência ocupando minha cabeça com mil cálculos estratégicos que não vão nunca servir de nada. A porrada dele já não me preocupa, já que tem as duas mãos devidamente ocupadas. Quem vai bater primeiro sou eu, calculo. Tem que ser com a direita, já que ele estava do lado direito.
Dessa vez ele acha que é uma boa idéia oferecer vantagem econômica. Meu silêncio e meus olhos postos lá diante o fazem repetir a “oferta”. Meu nojo é tão grande e pegajoso que quase me afogo nele. Vai ter que ser com a direita, é tudo o que eu penso.
E um gosto amargo no meio do peito, de ser vista como coisa, de carregar por aí uma etiqueta de objeto. Eu, objeto, aquele infeliz, abjeto. Nada ainda de vontade de chorar, só o nojo crescendo acelerado, uma raiva de ser tão pequena, em todos os sentidos de ser. Uma raiva de tanta coisa precisar ser aprendida, ninguém para ensinar. Uma raiva de não pensar claramente, uma raiva de não ter feito krav maga.
Minhas aulas de boxe lá longe, eu não lembro mais como dar um soco decente. Pelo tamanho do cara, meu soco só vai ter efeito psicológico. Aliás, ali eu era toda efeito psicológico: não vou para a calçada, prefiro o meio da rua, seu desgraçado, vai ter que ser mais homem que isso.
Mirar no nariz. Soco no nariz dói pra burro. Era isso e uma corrida alucinada até o posto de gasolina lá longe, dois quarteirões. Uma eternidade e um dia.
Eu queria mesmo era saber o que estava se passando na cabeça daquele demente. Como é que pode dois códigos tão sem comunicação. Tábua de Roseta, nada.
Torcendo para passar um táxi que eu pudesse parar, a voz do cubano que me dava aulas ecoa: "pé esquerdo na frente, o soco sai da cintura!"
Outra volta, dessa vez a voz estava bem baixinha, gaguejante, hesitante. Talvez eu conseguisse acertar no nariz. Talvez eu devesse derrubar a bicicleta... não. Sem a bicicleta, as pernas dele ficavam livres. Ali, no meio da rua, entre um carro e outro, a bicicleta era minha aliada e de vez em quando me olhava, com aqueles olhos de gato, meio que pedindo desculpas por ter que obedecer ao General Guidon.
De repente, quando meu braço já doía de tanto ficar preso entre o soco e a obrigação de manter a distância da bicicleta, o estrupício desiste. Talvez tivesse se contentado com uma migalha de poder de opressão. Talvez tivesse ficado com mais medo que eu. Talvez tivesse sentido uma pontada de fraqueza.
Não sei. Sei que cheguei na festa e não era mais eu. Estava dura, esticada.
I am just a girl, no doubt about it. And they won’t let me out late at night.
P.s.:Depois de muito hesitar, resolvi escrever isso aqui. Porque precisava por para fora e também porque precisava vencer esse sentimento idiota de vergonha. Não sou eu quem tem que se envergonhar de nada.
Talvez eu não devesse ter ido. Mas eu não quero não dever ir.
Diabo de vida idiota.
Festa num estúdio.
Pedi encarecidamente ao homem da casa (er... meu irmão) que me acompanhasse durante o trajeto, que incluía a Almirante Cochrane toda, mais o CIEP. Claro que ele preferiu jogar vídeo-game e nem notou meu feminismo-equalitário humilhado, se escondendo atrás da cortina.
Fui eu, sozinha, pro ponto de onibus, toda agressivo-defensiva. Sábado à noite. Não tem ônibus em certos bairros, se é que me entendes. Eu, duas horas atrasada, esperei mais meia. Nada de ônibus.
Muito depois das dez, nada de caixa eletrônico. Portanto, nada de táxi.
Que me resta? Engolir o temor das probabilidades, sem copo d’agua mas com telejornal, estatística e gráfico de barras. Antes de sair de casa eu olhei para a minha faca, recém batizada Alice, daquelas que dobram sobre si mesmas, sabem? A lâmina dela entra no próprio corpo, todo pretinho, listras antiescorregantes e aço inox. A sensatez avisou que era melhor deixar a faca em casa. Eu concordei, mandando o nó da garganta descer imediatamente para falar com a boca do estômago, se não estivesse satisfeito. As borboletas do meu estômago logo se revoltaram lá dentro e eu fui obrigada a tomar um copo inteiro de leite.
Pausa para os nossos comerciais: Sabe o que deve ser bom, aliás? Leite com licor de cereja.
De volta: fui andando, subindo a Almirante Cochrane, tentando me lembrar como é que eu fazia quando eu tinha quinze anos. Como é que a gente levanta a sobrancelha e as pessoas desviam o olhar. Como é que você anda pisando duro sem machucar a lombar. Tentando lembrar a letra do No Doubt.
Nisso, passa uma bicicleta. Eu levanto o olhar, a rua está vazia do outro lado; do meu lado um casal no quarteirão da frente. Apressei o passo para chegar o mais perto possível. A bicicleta faz meia volta, eu olho pro canteiro e nenhuma pedra.
A bicicleta, devidamente pedalada por um indivíduo grotescamente nojento, me alcança e me fecha. Eu driblo o movimento esperado com o quadril, vou parar bem no meio da rua. Nenhum carro passa nessa hora. Olho fixo lá na frente, passo quase corrido, nada de ficar na calçada. Saudade da minha faca, por um momento estúpido.
Volta a bicicleta, toda metálica, a dar a volta por trás de mim. Verificar a cintura, procurando por uma pistola sem encarar o aborto ambulante é bem mais difícil do que parece. E o quarteirão esticava, esticava, areia movediça tridimensional.
Aquele pesadelo pilotava a bicicleta com uma das mãos, a outra já estava dentro da bermuda. Bem ocupada, aliás, a mão daquele desgraçado filho da puta. Tão ocupada quanto a boca do infortúnio vivente, que não parava por um só segundo. Meu coração, no chão, se arrastava atrás de mim.
Se tivesse um arma, já tinha mostrado e eu tava fudida. Mas ele ainda era três vezes maior, um porrada e eu ia pra lona (ou pro asfalto, no caso). No meio da rua, os carros começam a se aproximar e piscam os faróis. O sinal deve ter aberto lá embaixo. A bicicleta se assusta com um Gol meio perolado. Dá mais uma volta.
Eu mantenho a reta no meio da rua. Prefiro ser atropelada, era meu mantra naquele momento. Mais uma tentativa de me jogar para a calçada, dessa vez eu olho naqueles olhos vidrados, alucinados. Faço questão de deixar bem claro que estou disposta a brigar. (abaixa o queixo, protege o pescoço, o braço direito protege o fígado, o esquerdo fica solto para manter a distância. Sobrancelha esquerda levantada, adrenalina toda gasta, toda a sua humanidade não vale absolutamente nada).
Mais uma volta. Chego à esquina, mas não vem ninguém. O casal sumiu. Minha faca me chama da gaveta, eu mando Alice calar a boca.
Volta a bicicleta. O diabo da prudência ocupando minha cabeça com mil cálculos estratégicos que não vão nunca servir de nada. A porrada dele já não me preocupa, já que tem as duas mãos devidamente ocupadas. Quem vai bater primeiro sou eu, calculo. Tem que ser com a direita, já que ele estava do lado direito.
Dessa vez ele acha que é uma boa idéia oferecer vantagem econômica. Meu silêncio e meus olhos postos lá diante o fazem repetir a “oferta”. Meu nojo é tão grande e pegajoso que quase me afogo nele. Vai ter que ser com a direita, é tudo o que eu penso.
E um gosto amargo no meio do peito, de ser vista como coisa, de carregar por aí uma etiqueta de objeto. Eu, objeto, aquele infeliz, abjeto. Nada ainda de vontade de chorar, só o nojo crescendo acelerado, uma raiva de ser tão pequena, em todos os sentidos de ser. Uma raiva de tanta coisa precisar ser aprendida, ninguém para ensinar. Uma raiva de não pensar claramente, uma raiva de não ter feito krav maga.
Minhas aulas de boxe lá longe, eu não lembro mais como dar um soco decente. Pelo tamanho do cara, meu soco só vai ter efeito psicológico. Aliás, ali eu era toda efeito psicológico: não vou para a calçada, prefiro o meio da rua, seu desgraçado, vai ter que ser mais homem que isso.
Mirar no nariz. Soco no nariz dói pra burro. Era isso e uma corrida alucinada até o posto de gasolina lá longe, dois quarteirões. Uma eternidade e um dia.
Eu queria mesmo era saber o que estava se passando na cabeça daquele demente. Como é que pode dois códigos tão sem comunicação. Tábua de Roseta, nada.
Torcendo para passar um táxi que eu pudesse parar, a voz do cubano que me dava aulas ecoa: "pé esquerdo na frente, o soco sai da cintura!"
Outra volta, dessa vez a voz estava bem baixinha, gaguejante, hesitante. Talvez eu conseguisse acertar no nariz. Talvez eu devesse derrubar a bicicleta... não. Sem a bicicleta, as pernas dele ficavam livres. Ali, no meio da rua, entre um carro e outro, a bicicleta era minha aliada e de vez em quando me olhava, com aqueles olhos de gato, meio que pedindo desculpas por ter que obedecer ao General Guidon.
De repente, quando meu braço já doía de tanto ficar preso entre o soco e a obrigação de manter a distância da bicicleta, o estrupício desiste. Talvez tivesse se contentado com uma migalha de poder de opressão. Talvez tivesse ficado com mais medo que eu. Talvez tivesse sentido uma pontada de fraqueza.
Não sei. Sei que cheguei na festa e não era mais eu. Estava dura, esticada.
I am just a girl, no doubt about it. And they won’t let me out late at night.
P.s.:Depois de muito hesitar, resolvi escrever isso aqui. Porque precisava por para fora e também porque precisava vencer esse sentimento idiota de vergonha. Não sou eu quem tem que se envergonhar de nada.
Talvez eu não devesse ter ido. Mas eu não quero não dever ir.
Diabo de vida idiota.
I´m just a girl, No doubt about it.
De manhã, eu refiz minha adolescência,
Por um dia, fui anti-eu, só pra provar.
No almoço, eu tinha quarenta anos,
Hoje ainda, sim, mas em outro lugar.
Tudo isso só num sábado.
Cheguei em casa e confiei.
Deitei para dormir e dormi.
As promessas saíram pé ante pé,
Acordei e estava só, ainda aqui.
A vida começou e ninguém me chamou.
Estúpida, resolvi prosseguir sem ajuda,
Nada além das minhas próprias mãos.
A crueldade do mundo me cercou
Só para provar que poderia me jogar no chão.
Meu eu de ontem morreu e não chamei ninguém pro enterro.
* * *
Por um dia, fui anti-eu, só pra provar.
No almoço, eu tinha quarenta anos,
Hoje ainda, sim, mas em outro lugar.
Tudo isso só num sábado.
Cheguei em casa e confiei.
Deitei para dormir e dormi.
As promessas saíram pé ante pé,
Acordei e estava só, ainda aqui.
A vida começou e ninguém me chamou.
Estúpida, resolvi prosseguir sem ajuda,
Nada além das minhas próprias mãos.
A crueldade do mundo me cercou
Só para provar que poderia me jogar no chão.
Meu eu de ontem morreu e não chamei ninguém pro enterro.
* * *
quarta-feira, fevereiro 16, 2005
Eu só queria ver o Franz
. Na segunda feira, fui acordada gentilmente pelo discreto tocar do meu celular. A voz da Natália, entusiástica, chacoalha meus ainda adormecidos tímpanos:
. _O Cauby está na Hebe!
.Tirada da cama por tão importante evento, corro até a sala, onde minha mãezinha está assistindo à Hebe, invariavelmente, certo como os ponteiros do Big Ben e como o raiar do sol.
.Que cena comovente. Eu, lamentando que o programa não tivesse aquela legendinha com bolinha em cima, enquanto tento em vão acompanhar o coro formado por Natália, pelo telefone na minha orelha direita, minha mãe, no sofá, no surround stereo, e no main flow os speakers laterais da minha televisão, reproduzindo fielmente os trinados de Hebe e Cauby, cantando Roberto Carlos.
.Logo após tamanho espetáculo, perdi o sono e resolvi que ia esperar o show do Franz, na abertura do Grammy, que ia passar no SBT. Eis que sou apresentada, por Natália Barzilai, minha personal mídia trainer, ao Teste de Infidelidade.
.Pelo que entendi, é o seguinte. Uma pessoa supostamente pede à produção do programa para que façam o referido teste com seu respectivo namorado ou namorada. Depois, um “ator” ou “atriz” joga um charme na pessoa, enquanto tudo é filmado. O corno, ou corna, assiste à gravação, do estúdio do programa, com comentários ao vivo da sacanagem explícita. Um lance total voyeur.
.Depois, chamam o traidor ou traidora para debater o assunto com o corno ou corna no palco.
Eis o que acho disso tudo. Primeiro, sociólogos e psicanalistas devem estar regozijando-se com essa amostra grátis de comportamento social. As pessoas têm a oportunidade de assistir soft porn, o que é moralmente “inaceitável” na nossa sociedade latina, na frente de todo mundo. Obvio que pornô é bacana, variando somente o grau de interesse, indo da novela ao snuff. Dessa forma, a pessoa faz, simultaneamente, a segunda melhor coisa: falar mal dos outros. O que tem um duplo efeito: dá a satisfação básica de meter o malho no próximo, sadô-light, e ainda por cima justifica o fato de ser ter feito o que não se deveria ter feito, ou seja, macular-se com a putaria alheia.
.Diversão múltipla, se é que vocês me entendem. Voyeur, swing, sadô e prostituição indireta (se é que isso existe mesmo).
.Outra coisa: os “atores” e os traidores tiram a blusa, mas nunca a calça. As “atrizes” e as traidoras ficam quase peladas. E todas usam sutiã preto meia-taça. O mesmo, deve ser.
.Enfim, achei muitíssimo interessante. Deviam escrever uma tese sobre isso. Aliás, Renata, obrigada pela tese sobre o Surplus.
. _O Cauby está na Hebe!
.Tirada da cama por tão importante evento, corro até a sala, onde minha mãezinha está assistindo à Hebe, invariavelmente, certo como os ponteiros do Big Ben e como o raiar do sol.
.Que cena comovente. Eu, lamentando que o programa não tivesse aquela legendinha com bolinha em cima, enquanto tento em vão acompanhar o coro formado por Natália, pelo telefone na minha orelha direita, minha mãe, no sofá, no surround stereo, e no main flow os speakers laterais da minha televisão, reproduzindo fielmente os trinados de Hebe e Cauby, cantando Roberto Carlos.
.Logo após tamanho espetáculo, perdi o sono e resolvi que ia esperar o show do Franz, na abertura do Grammy, que ia passar no SBT. Eis que sou apresentada, por Natália Barzilai, minha personal mídia trainer, ao Teste de Infidelidade.
.Pelo que entendi, é o seguinte. Uma pessoa supostamente pede à produção do programa para que façam o referido teste com seu respectivo namorado ou namorada. Depois, um “ator” ou “atriz” joga um charme na pessoa, enquanto tudo é filmado. O corno, ou corna, assiste à gravação, do estúdio do programa, com comentários ao vivo da sacanagem explícita. Um lance total voyeur.
.Depois, chamam o traidor ou traidora para debater o assunto com o corno ou corna no palco.
Eis o que acho disso tudo. Primeiro, sociólogos e psicanalistas devem estar regozijando-se com essa amostra grátis de comportamento social. As pessoas têm a oportunidade de assistir soft porn, o que é moralmente “inaceitável” na nossa sociedade latina, na frente de todo mundo. Obvio que pornô é bacana, variando somente o grau de interesse, indo da novela ao snuff. Dessa forma, a pessoa faz, simultaneamente, a segunda melhor coisa: falar mal dos outros. O que tem um duplo efeito: dá a satisfação básica de meter o malho no próximo, sadô-light, e ainda por cima justifica o fato de ser ter feito o que não se deveria ter feito, ou seja, macular-se com a putaria alheia.
.Diversão múltipla, se é que vocês me entendem. Voyeur, swing, sadô e prostituição indireta (se é que isso existe mesmo).
.Outra coisa: os “atores” e os traidores tiram a blusa, mas nunca a calça. As “atrizes” e as traidoras ficam quase peladas. E todas usam sutiã preto meia-taça. O mesmo, deve ser.
.Enfim, achei muitíssimo interessante. Deviam escrever uma tese sobre isso. Aliás, Renata, obrigada pela tese sobre o Surplus.
sexta-feira, fevereiro 11, 2005
Rebounce: Destinatário Ausente ou Desconhecido
Então, aqui estou eu, uma e meia da manhã, lendo pela terceira vez o diabo do Habeas Corpus 82.424, quando resolvo virar a página do meu bloquinho e escrever para você.
That's what I do, right? Eu escrevo. Para você.
"Por quê?" Eu sei que você vai perguntar o porquê. Bem, escrevo porque escrevo melhor do que falo. E é um ou outro, ou estouro.
Mas também sei que não respondi à sua pergunta, como, aliás, eu faço muitas vezes. Suas perguntas são tão assim manga-presa-na-maçaneta que eu sempre fico falando qualquer coisa que me venha à cabeça, cortina de fumaça, enquanto me retiro pra dentro de mim. Para tentar entender aquilo que você quer saber, para poder te dizer. Mas não sei ainda encontrar as pistas que me levem a alguma teoria sobre ser você meu leitor-default. Mesmo que seja uma teoria doida, lombrosiana, lamarquista. Mesmo que envolva o bom selvagem, o papai noel ou o santo graal.
Nunca sei o que dizer quando me perguntam coisas que considero uma coisa muito óbvia. Ando pensando que tudo o que há de óbvio são só coisas sobre as quais não queremos ou não podemos nos dar o luxo de pensar. Tipo a morte ou a reforma agrária. (Eu sei que você está dando risinhos).
Lembrei de uma coisa engraçada: no primário, minha mãe era o meu leitor-default. Todas as minhas redações eu escrevia pensando nos comentários que ela ia fazer, do tipo "minha filha, nunca separe com vírgula o sujeito do predicado!" e coisas do gênero. Acho que era porque mesmo que eu tirasse dez, ela sempre tinha que perceber que eu esqueci alguma vírgula. Meio que como com você. Você é assim uma pessoa tão metódica, tão daquele tipo de gente que nunca esquece de passar o fio dental, que observa tudo e todos, que sempre vê tudo, mas ao mesmo tempo não diz muita coisa, não grita, não chia. Suspira, dá de ombros e só. Nunca sei se você gostou mesmo de alguma coisa ou se foi só uma coisa sessão da tarde.
Vamos voltar ao começo, sim? Tudo o que eu queria era falar dos problemas até que eles acabassem. Que todos fizéssemos acordos, tratados, engaste, lapidação. Batalhas civilizadas, produtivas, até que saísse uma seta, um vetor, uma resultante. Um contrato, pronto.
Mas, vai saber lá porque razão, você é que tem um botãozinho vermelho na sua mesa, onde lê-se “abortar” em letrinhas brancas e burocráticas, muito retinhas e funcionárias de cartório. Então, bem por isso, estou eu aqui sentada com meus fantasmas, discutindo o que sobrou, o que você não quis mais.
E os únicos momentos em que eu te odeio de verdade são esses em que você é covarde e me põe de castigo no escuro, sabendo dos meus demônios, dos meus medos, dos meus cortes e cicatrizes internas, só porque você cansou. Cansou de mim, e aí me olha com aqueles olhos de decepção. Eu fico querendo morrer quando você me olha com aquele ar de música muito triste do Chico Buarque.
Eu também preciso de colo, sabe? De um descanso, de um remanso, de palavras amenas, já dizia o Gonzaga. De um momento cessar-fogo-sem-cessar-mais-nada. De bandeira branca, mas com florzinha. De licença pra errar.
Ai, diabos, como eu preciso de um lugar-instante onde eu me permita errar. Sem me preocupar, sem me policiar, sem me esconder, sem me enganar, sem me lustrar, sem maquiagem, cara inchada e pijama.
Portanto, eu precisava justamente do que nós tínhamos! Plim! Pirajá.
Como bem sabemos, nós, criaturas sonhadoras enceticizadas goela abaixo, sonhos acabam. Sabemos demais disso. Bem disse o John, e olha que ele tinha muito mais autoridade que nós para falar da fronteira da realidade.
Pois então, veja só. Estou com medo. Logo eu. Assumo, assumo meu medo, que hipocrisia fica pra quando a gente fizer quarenta. Continuo abominando medos, com esse no peito, eu toda cancerígena, querendo matar essa minha partezinha irritantemente dissidente.
Estou com medo. (mal consegui escrever, imagine só)
Se tenho chorado todas as noites, é porque estou aqui, assistindo o tempo comer os destroços da ponte que me levava ao meu “safe place”. Aquele, freudiano. Um que eu montei com pecinhas de lego e momentinhos-tijolinhos.
Não dá mais pra voltar. Eu olho Roma queimando, sem ao menos ter tido o dolo de queimá-la mesmo. Passado.
Desconforto de folha branca.
(ultima quimera)
That's what I do, right? Eu escrevo. Para você.
"Por quê?" Eu sei que você vai perguntar o porquê. Bem, escrevo porque escrevo melhor do que falo. E é um ou outro, ou estouro.
Mas também sei que não respondi à sua pergunta, como, aliás, eu faço muitas vezes. Suas perguntas são tão assim manga-presa-na-maçaneta que eu sempre fico falando qualquer coisa que me venha à cabeça, cortina de fumaça, enquanto me retiro pra dentro de mim. Para tentar entender aquilo que você quer saber, para poder te dizer. Mas não sei ainda encontrar as pistas que me levem a alguma teoria sobre ser você meu leitor-default. Mesmo que seja uma teoria doida, lombrosiana, lamarquista. Mesmo que envolva o bom selvagem, o papai noel ou o santo graal.
Nunca sei o que dizer quando me perguntam coisas que considero uma coisa muito óbvia. Ando pensando que tudo o que há de óbvio são só coisas sobre as quais não queremos ou não podemos nos dar o luxo de pensar. Tipo a morte ou a reforma agrária. (Eu sei que você está dando risinhos).
Lembrei de uma coisa engraçada: no primário, minha mãe era o meu leitor-default. Todas as minhas redações eu escrevia pensando nos comentários que ela ia fazer, do tipo "minha filha, nunca separe com vírgula o sujeito do predicado!" e coisas do gênero. Acho que era porque mesmo que eu tirasse dez, ela sempre tinha que perceber que eu esqueci alguma vírgula. Meio que como com você. Você é assim uma pessoa tão metódica, tão daquele tipo de gente que nunca esquece de passar o fio dental, que observa tudo e todos, que sempre vê tudo, mas ao mesmo tempo não diz muita coisa, não grita, não chia. Suspira, dá de ombros e só. Nunca sei se você gostou mesmo de alguma coisa ou se foi só uma coisa sessão da tarde.
Vamos voltar ao começo, sim? Tudo o que eu queria era falar dos problemas até que eles acabassem. Que todos fizéssemos acordos, tratados, engaste, lapidação. Batalhas civilizadas, produtivas, até que saísse uma seta, um vetor, uma resultante. Um contrato, pronto.
Mas, vai saber lá porque razão, você é que tem um botãozinho vermelho na sua mesa, onde lê-se “abortar” em letrinhas brancas e burocráticas, muito retinhas e funcionárias de cartório. Então, bem por isso, estou eu aqui sentada com meus fantasmas, discutindo o que sobrou, o que você não quis mais.
E os únicos momentos em que eu te odeio de verdade são esses em que você é covarde e me põe de castigo no escuro, sabendo dos meus demônios, dos meus medos, dos meus cortes e cicatrizes internas, só porque você cansou. Cansou de mim, e aí me olha com aqueles olhos de decepção. Eu fico querendo morrer quando você me olha com aquele ar de música muito triste do Chico Buarque.
Eu também preciso de colo, sabe? De um descanso, de um remanso, de palavras amenas, já dizia o Gonzaga. De um momento cessar-fogo-sem-cessar-mais-nada. De bandeira branca, mas com florzinha. De licença pra errar.
Ai, diabos, como eu preciso de um lugar-instante onde eu me permita errar. Sem me preocupar, sem me policiar, sem me esconder, sem me enganar, sem me lustrar, sem maquiagem, cara inchada e pijama.
Portanto, eu precisava justamente do que nós tínhamos! Plim! Pirajá.
Como bem sabemos, nós, criaturas sonhadoras enceticizadas goela abaixo, sonhos acabam. Sabemos demais disso. Bem disse o John, e olha que ele tinha muito mais autoridade que nós para falar da fronteira da realidade.
Pois então, veja só. Estou com medo. Logo eu. Assumo, assumo meu medo, que hipocrisia fica pra quando a gente fizer quarenta. Continuo abominando medos, com esse no peito, eu toda cancerígena, querendo matar essa minha partezinha irritantemente dissidente.
Estou com medo. (mal consegui escrever, imagine só)
Se tenho chorado todas as noites, é porque estou aqui, assistindo o tempo comer os destroços da ponte que me levava ao meu “safe place”. Aquele, freudiano. Um que eu montei com pecinhas de lego e momentinhos-tijolinhos.
Não dá mais pra voltar. Eu olho Roma queimando, sem ao menos ter tido o dolo de queimá-la mesmo. Passado.
Desconforto de folha branca.
(ultima quimera)
Lucy In The Sky With Diamonds
Colares de flores. Malas. Serra. Petrópolis
Pilhas, ovos e televisão. Ônibus, Nogueira.
Nintendo 64. Mil Rottweilers. Negresco com cepacol.
Balões de água. Algodão doce. Weber.
Imagem e Ação. Perfil. Hermafroditas. A garotinha, a empregada e o gato.
Extreme make-over. Americal Idol. Queer eye. Ninguém mais agüenta Big Brother.
Quase festa. Churrasco. Pepsi no copo de vinho. Dez toneladas de queijo. Alcatra de Renata pro Legolas.
Mercedes Sosa. Música Gaúcha. Feijõezinhos de todos os sabores. Ew.
Fita de secretária eletrônica amaldiçoada. Despensa de geladeira. A biblioteca mais hype ever.
Mesa, rosa, automóvel. Machadinha, lagoa, anel.
Pracinha de Correias. Mordaças, estribos e arreios também.
Pirajá. Dois dedos do pé fraturados por um estouro na Farme.
Festinha, musguinha, estressinho.
Vamboraprumpóriô.
Máquina de lavar, Wall Mart, edredon rosa choque. Copo de tequila. Discussões sobre o flavorizante de peito de peru da batata frita.
Cinema? Não, realidade. Demais. Chega, the dream is over.
(Momentos de diamante. Eternos. Redondinhos, flutuando, acessíveis a qualquer hora, em qualquer lugar. De alguma forma, cristalizaram-se tão mais densos que a minha pobre organicidade que sinto que estarão aqui mesmo depois que eu morrer. Não faço a menor idéia de como. Talvez numa câmera digital. É bem digital mesmo isso, não?)
Pilhas, ovos e televisão. Ônibus, Nogueira.
Nintendo 64. Mil Rottweilers. Negresco com cepacol.
Balões de água. Algodão doce. Weber.
Imagem e Ação. Perfil. Hermafroditas. A garotinha, a empregada e o gato.
Extreme make-over. Americal Idol. Queer eye. Ninguém mais agüenta Big Brother.
Quase festa. Churrasco. Pepsi no copo de vinho. Dez toneladas de queijo. Alcatra de Renata pro Legolas.
Mercedes Sosa. Música Gaúcha. Feijõezinhos de todos os sabores. Ew.
Fita de secretária eletrônica amaldiçoada. Despensa de geladeira. A biblioteca mais hype ever.
Mesa, rosa, automóvel. Machadinha, lagoa, anel.
Pracinha de Correias. Mordaças, estribos e arreios também.
Pirajá. Dois dedos do pé fraturados por um estouro na Farme.
Festinha, musguinha, estressinho.
Vamboraprumpóriô.
Máquina de lavar, Wall Mart, edredon rosa choque. Copo de tequila. Discussões sobre o flavorizante de peito de peru da batata frita.
Cinema? Não, realidade. Demais. Chega, the dream is over.
(Momentos de diamante. Eternos. Redondinhos, flutuando, acessíveis a qualquer hora, em qualquer lugar. De alguma forma, cristalizaram-se tão mais densos que a minha pobre organicidade que sinto que estarão aqui mesmo depois que eu morrer. Não faço a menor idéia de como. Talvez numa câmera digital. É bem digital mesmo isso, não?)
quarta-feira, fevereiro 02, 2005
Minha última costela direita amanheceu doendo
. Eu olho para todas essas fotos e rostos na multidão, sentindo que devia estar buscando uma chave que encaixe na minha fechadura. Sim, porque não se enganem os senhores: o amor preexiste ao ser amado. A gente não começa a amar quando encontra o diabo da cara metade. Não, não mesmo. A gente tem aquele amor gestando, crescendo, até que alguma coisa combina com outra coisa, que faz algum tipo de sentido químico no cérebro da gente, a chave encaixa na fechadura e ... click. Tanto preexiste, que existe esse tipo de gente que fica amando uma figura tracejada, um espaço vazio sem figurinha, que escreve poemas e músicas sem nunca ter realmente caído de quatro.
As pessoas por vezes são tomadas por uma perfurante sensação de falta, de um desejo mal-contido e indefinido, não são?
Então amor é uma flecha, que se carrega na aldrava, mesmo que não se possua um arco que possa impulsioná-la ao alvo. Mesmo que se possua o arco, mas alvo nenhum. Mesmo que se tenho arco e alvo, mas não se tenha muita vontade de atirar porcaria nenhuma.
Ainda assim, está lá a flecha.
Creio eu, com muita convicção, que haja mesmo aqueles que possuam muitas flechas e sejam capazes de atirar uma após a outra, sem necessitar descanso. Que também haja aqueles que conseguem realmente atirar duas flechas ao mesmo tempo. Que haja aqueles que sempre atiram, mas não acertam nunca. Que haja os que acertam, errando.
E há os como eu, que nasceram sem arco nem aldrava e ficam com a flecha assim, nas mãos, sem saber muito o que fazer, às vezes espetando o vizinho sem querer, às vezes trancando a porcaria da flecha num baú bem grande e velho.
As pessoas por vezes são tomadas por uma perfurante sensação de falta, de um desejo mal-contido e indefinido, não são?
Então amor é uma flecha, que se carrega na aldrava, mesmo que não se possua um arco que possa impulsioná-la ao alvo. Mesmo que se possua o arco, mas alvo nenhum. Mesmo que se tenho arco e alvo, mas não se tenha muita vontade de atirar porcaria nenhuma.
Ainda assim, está lá a flecha.
Creio eu, com muita convicção, que haja mesmo aqueles que possuam muitas flechas e sejam capazes de atirar uma após a outra, sem necessitar descanso. Que também haja aqueles que conseguem realmente atirar duas flechas ao mesmo tempo. Que haja aqueles que sempre atiram, mas não acertam nunca. Que haja os que acertam, errando.
E há os como eu, que nasceram sem arco nem aldrava e ficam com a flecha assim, nas mãos, sem saber muito o que fazer, às vezes espetando o vizinho sem querer, às vezes trancando a porcaria da flecha num baú bem grande e velho.